Edson Rontani Júnior, piracicabano, jornalista e
presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
Diz que é de Piracicaba, mas nunca andou de elevador panorâmico na
ponte arquiteto Caio Tabajara... Diz que é de Piracicaba, mas nunca visitou o
Salão de Humor ... Diz que é de Piracicaba, mas nunca foi a Esalq ...
Tiradas
como estas povoaram o Facebook anos atrás e, se a memória não atrapalhar, foi
antes da pandemia, possivelmente em 2018, perpetuando-se por meses. Era um jogo
de adivinhação salutar, com as lembranças sendo expandidas pelos comentários nas
postagens. Atrás destes comentários, fazíamos a massa cinzenta cerebral reviver
momentos gostosos do passado. Chegamos a mexer em coisas da tempo do Zagaia !
Quem ?!? Ora ! Que adianta dizer que é piracicabano e não conhecer Zagaia ? Aliás,
usamos este termo sem saber quem foi distinta pessoa. Eu, confesso, não uso,
mas ouço muita gente usar esta frase.
Bom.
Este preâmbulo serve para dizer que, com mais de 400 mil habitantes,
Piracicaba, acolheu muita gente que encontrou a “terra arada, semeada e com plantação
dando frutos”, desconhecendo aqueles que por aqui lutaram, deram suor e sangue.
Piracicaba como conhecemos é uma. Piracicaba como ela é realmente, torna-se
outra. Os mais antigos e tradicionais a enxergam de uma forma diferente da
visão dos “estrangeiros” que por aqui se aportaram.
É
a “síndrome da ponta do nariz”. Pois, bem. Por mais que a ponta do nariz esteja
diante de nosso olhar, nunca a notamos. Piracicaba é assim. Está na ponta do
nariz e muitas vezes não damos valor aos pontos turísticos, à sua gastronomia,
à sua riqueza cultural. Saímos do pejorativo “quintal de Campinas” para sermos
o jardim de nossa própria cidade. Exemplos disso ? Vejam os motociclistas que,
de outras cidades, vem a rua do Porto no final de semana ... Os pontos
atrativos e turísticos cheios de pessoas durante as férias de julho, as
movimentações em pontos de caminhada como o Parque da Rua do Porto ou a Estação
da Paulista. Até outro dia saíamos no Shopping Center lendo as cidades de onde
vieram o veículos – agora, com o novo design das placas do Mercosul, sabemos
apenas que ele são do ... Brasil. Querer enxergar além da ponta do nariz exige
um exercício que nos perpassa o estrabismo ou miopia, com grande ganho
cultural.
Até
os anos 1980, não tínhamos um centro cultural na Estação da Paulista. Tínhamos
trens de carga que impossibilitavam nossa entrada no espaço. Hoje caminhamos,
andamos de bicicleta, utilizamos equipamentos (com acessibilidade, inclusive)...
O Engenho Central era tão fechado quanto a Chácara Nazareth ou o Casarão de
Luiz de Queiroz. Eram pontos particulares. E hoje ? O Salão Internacional de
Humor, que entra em agosto na sua 50ª. edição, é um bom exemplo desta ocupação.
Com
a criação do calçadão da praça José Bonifácio, no início dos anos 1980, o
piracicabano ganhou um moderno centro de lazer, muito além da ESALQ que
proporcionava até então piqueniques, passeios de bicicleta ou empinar pipas. Os
“Domingões” chamavam as famílias para a praça. Foi lá, aliás, que, com meus
quase 10 anos, aprendi a jogar xadrez.
E
a gastronomia ? Quem viveu os anos 80 comia o sanduíche churrasquinho do Bar do
Décio, o prensadão da avenida Armando de Salles de Oliveira ou a canja ou sopa
de cebola do Saravá. Que mais ? Tínhamos de esperar um ano todinho para provar
uma esfirra aberta na Festa das Nações que ocorria no Lar Franciscano de
Menores. Pastel, então, apenas no Mercado Municipal, consumido somente no
horário comercial – impróprio para quem trabalha o dia todo. Churros ? Apenas
na Eletroradiobraz (atual Pão de Açúcar da Cidade Alta). E hoje ? Compramos
churros e esfirras a qualquer momento e por aplicativo ! Muitas famílias iam
para Campinas visitar o Makro, primeiro atacadão da região. E ter a carteirinha
desta rede era símbolo de status. “Fui a Campinas e comprei galão ou pacote de
tal produto, algo inacessível a você” ... Era o “ó do borogodó” ... Ostentação
para poucos. O Makro abriu em Piracicaba fechou suas portas em abril passado e
ninguém deu conta ...
Melhorou
ou não ? Muitas outras referências tivemos ao longo deste período, claro.
Destaco aqui alguns poucos, devido à limitação do espaço.
Vivemos
períodos pós pandemia, voltando a circular pelos pontos turísticos. O fato não
é conhecer o que já se conhece e sim enxergar além da ponta do nariz. Ver a
beleza de pontos como o Aquário Municipal – recentemente reaberto –, os Teatros
Municipais, saborear uma boa gastronomia à beira do rio Piracicaba ... Enxergar
com amor é acabar com estereótipos e principalmente preconceitos.
Pois,
bem. Nos últimos dias, o poder público municipal nos deu a chance de conhecer
ou revisitar locais. Um ônibus colocado a disposição, levou as pessoas para subir
o elevador ao lado da Ponte do Mirante ! Isso, durante a semana e em horário
comercial ! O piracicabano teve a chance de conhecer ou revisitar a história da
Estação da Paulista (que já foi um sambódromo na segunda metade da década de
1990 – e ninguém lembra disso !), Estádio Barão da Serra Negra, Cemitério da
Saudade, Esalq, Museu da Água, Aquário Municipal, Engenho Central, Ponte
Pênsil, Casa do Povoador ... Ufa ! Além disso, pôde ver como é a logística da
Polícia Militar no hangar do helicóptero Águia e as obras de Volpi nas paredes
da capela do Monte Alegre.
Ou
ainda partir para os redutos dos tiroleses em Santana e Santa Olímpia, onde
souberam que Olímpia não é santa e sim diaconisa. Existe vida além da cucagna e
também da Festa da Polenta. Enxerga quem quiser.
Aliás,
confesso que vivi míope por muitos anos. Por 37 anos morei a três quadras da
Estação da Paulista e nunca vi um trem na vida. Apenas conheci a Maria Fumaça
quando fui para Jaguariúna proporcionar ao meu filho algo que eu nunca tinha
visto ou vivido. Também nunca pisei no Barão mesmo sendo neto de um dos
presidentes do XV (Humberto D’Abronzo) e filho do criador do Nhô Quim (Edson
Rontani). Neste tempo todo, eu devia usar um “fundo de garrafa” e não sabia ...
Finalizo
parabenizado a Semdettur pelo projeto Férias – Visite Piracicaba, encerrado
sexta-feira passada. Consegui mais uma vez tirar meu estrabismo e minha miopia
e enxergar além do nariz, vendo uma Piracicaba tão bela quanto ela é. Parabéns
à equipe – Fernanda (coordenadora), Júlia (guia turística) e Reinaldo
(motorista), além da Patrícia guia em Santa Olímpia. Que venham mais ações como
estas em dezembro/janeiro. Feliz 265 anos, Piracicaba !
(Artigo publicado na Tribuna Piracicabana em 02/08/2023 e, de forma resumida, no Jornal de Piracicaba em 30/07/2023)
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