Edson Rontani Júnior, cinéfilo e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
O
desconcertante som do tragar o charuto de John Ford mexe e instiga com o
silêncio que reina. Mexe também com a dúvida de Burt Fabelman. “O que você vê
ali ? O horizonte ? Se está acima, o horizonte é interessante, se está abaixo
também é interessante”, diz Ford (vivido pelo diretor David Lynch) em “Os
Fabelmans”. Conclui que, se o horizonte está no meio, é normal, trivial, comum,
sem sentido ... “Chato prá cacete”, diz ele. John Ford foi um dos mais icônicos
cineastas norte-americanos numa carreira de quase 70 anos com filmes que vão de
“Nos tempos das diligências” a “O homem que matou o facínora”, entre tantos
outros.
“Albert
Einstein ? Ele era bom no tempo dele, 20 anos atrás ...”, diz Robert
Oppenheimer, no filme que relata a vida do criador da bomba atômica que acabou
com Nagasaki, Hiroshima e a Segunda Guerra Mundial. “Mas quem soltou a bomba
fui eu, ninguém se lembrará de você”, disse a ele o presidente Harry Truman
(vivido por Gary Oldman).
O
cinema busca com estas duas obras superar a si mesmo. Cem anos atrás, Fritz
Lang era “a bola da vez” com filmes como “Metrópolis”. Alfred Hitchcock,
depois, virou o “mestre do suspense” sendo um autor “fora da curva”, mas com a
retórica de sempre : o homem errado levava a culpa por algo que não cometeu. A
premissa está em maioria das suas obras. Depois vieram tantos outros que
enxergaram o horizonte acima ou abaixo ou que superaram as ideias de Einstein,
Edison ou Tesla. “Com isso estragamos o mundo”, confessa Oppenheimer a Einstein,
que sai emburricado.
“Os
Fabelmans” e “Oppenheimer” tomam quase seis horas de atenção do expectador,
seja na telona ou no streaming. O primeiro é a mais recente obra de Steven
Spielberg, depois de um interessante mas apagado “Amor, Sublime Amor”. É um
filme para quem entende e gosta de cinema. Basicamente é sua biografia quando
criança e adolescente, na qual ele retrata seu amor pelo cinema e as agruras em
ser judeu. Seus pais não viam futuro no cinema. Mas, foi realizando filmes em
casa, na bitola 8 milímetros que ele enxergou além do horizonte e descobriu a
traição da mãe com o melhor amigo do pai. Fez até um filme com estes melhores
momentos e o exibiu no escuro do seu closet para uma plateia seleta: sua mãe,
protagonista da obra (e da traição). Em pouco mais de duas horas e meia,
Spielberg fala do relacionamento humano, do crescimento de um sonho de criança
que mexe não apenas com a fantasia através do cinema, e também enxerga além do
horizonte. Esse sim é um cara de visão. Ficou milionário, criou linguagens
imaginárias com o fantástico (“E.T.” ou “Inteligência Artificial”, por exemplo)
e conseguiu calar a boca dos pais que o viam, quando fazia cinema, estar apenas
matando o tempo.
Robert
Oppenheimer era um desastrado e desatencioso quando jovem. O filme que leva seu
nome é uma biografia maçante, utilizando um enredo detalhadíssimo sobre o pai
da bomba atômica, durante a Segunda Guerra Mundial. Estranho é Robert Downey
Júnior (o Tony Stark / Homem de Ferro) como o ancião almirante Lewis Strauss.
Trata-se de uma obra para a qual deve-se entender o que foi a “Guerra Fria”
entre Estados Unidos e União Soviética e, antes de mais nada, é preciso compreender
o que foi a “Caça às Bruxas” coordenada pelo senador Joseph McCarthy. Se você
pensa que verá explosões, nazistas ou ação à lá Marvel, esqueça .... É um filme
muito bem pontuado pela trilha e efeitos sonoros, o qual necessita de
acompanhamento histórico e esforço cerebral para entender tantas idas e voltas,
numa sequência frenética de flash backs. Peca a obra ao final (faltando 20
minutos para acabar – depois de quase 2h40 minutos), quando vemos o próprio
Almirante e outros personagens elucidando o caso numa sucessão frenética
desnecessária, como se lembrasse o “Sherlock Holmes” (olha aí Robert Downey Jr.
de novo) ou que nos remete ao final de “Assassinato no Oriente Express”. Aliás,
Kenneth Branagh, diretor mais recente desta obra de Agatha Christie, também
está em “Oppenheimer” como Niels Bohr e, como sempre, impecável. Aliás,
Christopher Nolah, seu diretor, é uma das mais novas revelações da década atual
e impressiona a cada produção desde a trilogia Batman, passando por
“Interestelar” e “Dunkirk”.
“Falbemans”
e “Oppenheimer” são obras distintas. Uma feita em 2022 e outra estreada há
cerca de 15 dias. São para públicos diferentes. Decepcionantes ? Sim e não.
Deve-se saber o que esperar quando o objetivo é assistir à um filme biográfico.
É preciso conhecer a situação histórica e a(s) personalidade(s) retratada(s). O
segundo foi páreo para “Barbie” (sem comentários ...) chegando a superar
bilheterias ao redor do mundo. Tirou a luz do novo “Indiana Jones” – que já
saiu de cartaz – e era esperado pelos marmanjões que outrora foram aos cinemas
e às locadoras de VHS. Mas ambos valem como o despertar de algo que transcende
a cada dia : olhar para além do horizonte.
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