Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
Blem
! Blem ! Dez outros blens até completar meia-noite nos sinos da Catedral de
Santo Antonio. Ainda insone na cama, retiro meus óculos, acelero o ventilador
para afagar o causticante calor de Piracicaba. Noto que, em meu peito, repousa
um livro que estava lendo. “Histórias de fantasmas”, coletânea de contos de
terror de Charles Dickens, escritos cerca de 200 anos atrás. Não sei por qual
motivo, mas havia parado no conto de duendes que sequestram um coveiro.
Eis
que me dou conta da presença de alguém sentado em meu quarto. Pronto ... seria
a insolação depois de um dia exaustivo com temperaturas próximas aos 40 graus ?
-
“Não, senhor ! Sou o fantasma do passado”, disse-me pausadamente.
“Cáspita
! Bem hoje que começam minhas férias?”, balbuciei ... Levanto não de camisolão
como vestia Ebenezer Scrooge mas sim de shorts buscando uma camiseta para me
cobrir. “Vamos lá seu fantasma do passado, mas não vamos muito longe, não”,
disse eu.
Ele
me fita. Indaga o que queria eu dizer com “tão longe”. Emendei: não
geograficamente e sim pela cronologia. Nada disse, mas como num filme
hollywoodiano o relógio volta para trás ... 2000 ... 1990 ... 1980 e estaciona
em 1970. Pensei ... ao menos num período que comecei a viver.
Não
sou tão avaro quanto Scrooge, nem tenho o seu potencial financeiro. Por que
então fui escolhido para viajar na cola do fantasma do Natal passado ? Talvez pelas
histórias que vem diariamente por nossas cabeças, não buscando erros ou acertos,
mas relembrando com nostalgia de um tempo que não volta mais.
Num
clima festivo vamos à rua Governador Pedro de Toledo, com famílias passeando e
visitando as vitrines lindamente decoradas. Perdíamos um tempo danado babando
nas vitrines que nos apresentavam desejos de consumo impossíveis. Como eram
lindas a Loja da Lua, A Musical, Joias Caruso, Briveste e a Som 6 onde ouvíamos
música e sequer comprávamos um LP. Que linda decoração da Casa Raya ao lado do
Jornal de Piracicaba: colocaram um Papai Noel pedalando uma bicicleta
ergométrica. Valeu, seu Armintos Raya ! E aquele bando ali ? “Eles pensam em
fazer um salão de humor”, diz o fantasma...
Bom
... a noite é curta. Natal Presente me leva para os anos 1980. Vemos a praça
José Bonifácio ganhar novos contornos. Irá virar um calçadão. Monumentos para
fora. Opa ! Um pouco mais para a frente do tempo, a cidade ganha dois
“shoppings” o Zilliat e o Cidade Alta. Era aquilo que hoje chamamos de malls.
Shopping mesmo só viria em 1987. Nada mais ter que ir a Campinas para compras. Na
ESALQ, famílias passam para ver a iluminação colocada nos prédios. Mesmo local
onde o Guarantã apresenta sua “Paixão de Cristo”, depois levada para o parque
da rua do Porto. A praça Alfredo Cardoso em frente ao Mercado Municipal lotada
de ônibus. Intransitável ... Placas de todas as cidades da região. Eram as
aulas da Unimep no campus Centro. Repentinamente, silêncio ensurdecedor. “Poxa,
fantasma do Natal Passado, agora doeu ... nos anos 80 minha geração chegava aos
18 anos ... podia tirar carta ... foi aí que perdi amigos de infância com suas
motos, em inabilidades que poderiam ser evitadas, e tê-los ainda hoje ao nosso
lado”, sussurro com uma lágrima.
Anos
1990 chegam com uma novidade chamada Cabo Total, televisão por cabo. Adeus, tv
com chuvisco ! E aquilo ali na Paulista ? Que aglomeração. Era o Sambódromo da
cidade. Nossa ! Nem me lembrava mais !
Anos
2000 ... Anos 2010 ... Muita coisa passou em tão curtos minutos. Impossível
descrever aqui... Fim de 2019, na China um vírus mata milhares diariamente.
Instala-se a pandemia.
Uma
sirene na rua me joga para o outro lado da cama. Uma da madrugada. Eu deitado
na cama. Tomo um gole de água. Faz 31 graus. Coloco o livro de terror de
Dickens de lado e durmo. Deixemos o futuro para amanhã.
Publicado no Jornal de Piracicaba de 20 de dezembro de 2023 e na Tribuna Piracicabana de 23 de dezembro de 2023.
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