Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
Norman
Jewison foi um brilhante cineasta. Fez vários dos melhores filmes dos anos 1960
e 1970. Em 1971, levou para a telona o musical “Um violinista no telhado”, no
qual a tradição é cantada e contada como um fardo para a família de judeus
ortodoxos que vive na Rússia do século 1900. Uma das canções, com letra de
Sheldon Harnick, é “Tradition”, ou seja, a tradição que assola as filhas do
personagem principal interpretado pelo ator Topol. A tradição faz com que o
casamento das meninas seja arranjado pelos interesses dos pais. Interesses,
dotes, melhorias de vida ... Tudo isso espelha a tradição que ainda existe em
muitos cantos do mundo.
Este
enunciado serve para pensarmos na tradição cristã que estamos vivendo: a
Páscoa. Oriunda do judaísmo, o renascer é uma tradição milenar. Embora muitos
vejam apenas como um feriado, antecipando o final de semana. A tradição do
passado dizia que a Sexta-feira Santa e a Páscoa eram dias santos de guarda. Me
recordo que nos anos 80, tivemos um frustrado show de rock em Piracicaba
estruturado por um ator global. Não deu certo. Escândalo ! Isso, pois, nestes
dias, a penitência, o jejum, o silêncio deveriam imperar. Anos depois, quando
labutava eu numa emissora de rádio local, noticiei que em São Paulo um padre
havia liberado o consumo de salsicha na Sexta-feira da Paixão, data em que o
jejum prega principalmente a ausência de carne nas refeições... Tradições que
se foram com o tempo. Existem aqueles que ainda praticam tais situações.
Sou
da época em éramos criados com simbologias, reconhecidas por um mero olhar. Me
recordo, muito tempo atrás, quando ainda criança, ver que as pessoas enlutadas
circulavam na rua com uma tarja preta próxima ao ombro, num dos braços. Era um
simbolismo respeitado em homenagem ao ilustre falecido. Também me recordo que
as famílias enviavam cartões de Páscoa ... Hoje, nem cartão de Natal integra a
tradição suplantada pela tecnologia digital. Fazer o que ...
Certa
feita, a costura de minha calça soltou-se. Buraquinho de no máximo cinco
centímetros na lateral próximo ao bolso. Pedi aos meus pais para irmos para
casa, pois aquele buraquinho me envergonhava. E hoje ? A tradição do bem vestir
cede espaços às formas mais esdrúxulas, como o uso de tops, bustiês, calças
rasgadas e recortadas e uso de agasalho tipo moletom em dias cujos termômetros
chegaram a marcar 37 graus.
O
padrão da tradição é não ter padrão. Este é o modismo. Quanto mais chamar a
atenção, melhor. Mas isso não faz da pessoa a melhor do mundo. Muito menos o
estilo clássico. Apenas chama atenção talvez por elogios, talvez para críticas.
Quantos se expõem em mídias digitais suas vergonhas, suas conquistas, seus
acidentes ou dancinhas ?
Tradições
mudam. Muitas delas se enraízam em nossa mente e fazemos delas o nosso perfil,
desde o tipo de sapato ou estilo de pentear o cabelo. No Japão, onde – para nós
todos se parecem iguais – a juventude pinta o cabelo para que não se pareçam
idênticos demais com os outros. Já percebeu isso ?
Dias
destes, revendo um livro do início do século passado sobre a Escola Agrícola de
Piracicaba, vi fotos de alunos com ternos em pleno campo de açúcar, algodão e
alfafa. Muitos deles de cor escura. Imagino como era sentir-se dentro de um
terno embaixo de um sol escaldante. Modismo europeu que se propagou por séculos
no Brasil. Mas tempos atrás, sair para as ruas era um ritual de tradições. A
melhor roupa, o melhor perfume, o melhor linguajar. Hoje, vemos as pessoas com
meias e havaianas (ao mesmo tempo), crocks e outros vícios que se replicam. Até
de pijama há alunos que vão para a escola. Embasbaquei quando vi tal situação
numa escola do Centro da cidade. Deixamos de ser elegantes pela quebra de
paradigmas por não querer seguir tradições.
Saíamos
nas ruas para nos expor. Hoje estamos em casa publicando stories e tik toks com
a tal “roupa de mendigo”, sem cara maquiada ou cabelo penteado. O êxodo urbano
nos anos 1880 fazia com que as pessoas saíssem da zona rural para ir a cidade,
ir à missa, visitar lojas ... Daí que surgem as vitrines no comércio, na
intenção de criar desejo e entretenimento, numa boa sacada de marketing. Assim
éramos até décadas atrás. A evolução quebrou conceitos e tradições. Mas uma
tradição ainda não morreu: desejar a todos uma ótima Páscoa !
(Publicado no Jornal de Piracicaba em 31 de março de 2024 e na Tribuna Piracicabana de 2 de abril de 2024)
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