Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
As
pedras no caminho nos dão lição sobre a vida e a morte. Uma, pedra fundamental,
foi colocada em 1º de abril de 1896, simbolizando a concretização de um sonho.
Na ocasião, a pedra servia para demarcar o início das obras da Escola
Agronômica São João da Montanha, embrião do que conhecemos hoje por ESALQ/USP.
Outra
pedra, lapidar, encerrou o ciclo da vida. Se é que esta pedra existiu ... Esta
vida foi interrompida numa viagem de navio nas proximidades da Costa do Marfim,
continente africano. O destino do navio era a Europa onde um passageiro
dirigia-se para Arbre, província da Bélgica. Assim outra pedra fez parte de
Léon Alphonse Morimont, diretor da Fazenda São João da Montanha, falecendo em
1899. Engenheiro agrônomo, Morimont era um cidadão do mundo. Passou três anos
em nossa Piracicaba (dezembro de 1893 a novembro de 1896). Não se tem certeza
de que ele tenha sido enterrado com pedra lapidar e tudo mais. Na época, as
viagens de navio eram longas e um falecimento à bordo poderia ocasionar no
despejo do falecido ao mar.
Este
trabalhou na França, Espanha, Itália, Portugal, Senegal e São Tomé. Atuou
diante de vinhedos e cereais. Assumiu a direção da Fazenda São João da Montanha
e elaborou o projeto do ensino técnico agrícola em 1894. Dois anos depois foi
exonerado partindo para o continente africano.
Léon
começou trabalhar e adaptar a Fazenda em 7 de dezembro de 1893. Disse em
relatório que "triste era o estado da fazenda (...) pontes caídas, casas
em ruínas". Em seu projeto, havia um internato para 80 a 100 alunos. Seriam
plantados cana, milho, batata doce, feijão, além alfafa e capim, arroz,
mandioca além de experimento de fumo, algodão e café. Na horta repolho, tomate,
alho-poró e sersefim.
A
ideia da Escola Agronômica na cidade partiu de Luiz de Queiroz que passou uma
boa temporada na Europa frequentando ambientes da zootecnia, da agricultura e
da engenharia agronômica. O Brasil ainda estava se desenvolvendo, respirando
ares vindos do império português. Mão de obra e material tecnológico ecoavam
dos Estados Unidos ou da Europa. Então, era comum importar maquinários e
pessoas, se é possível utilizar o termo importar para o ser humano. Morimont
veio da Bélgica, assim como outros administradores que Queiroz trouxe para seus
negócios locais.
Curioso
é ver como a vida era curta no século retrasado. Queiroz e Morimont viveram 49
anos. Hoje, a “geração canguru” é estudada por sociólogos ou psicólogos para
compreender o fenômeno de filhos que, na faixa dos 40, ainda vivem com os pais.
Aos 16 anos, Queiróz já era empreendedor e visualizava a confecção como
rendimento, além de trazer a iluminação elétrica de Nova Iorque para a Noiva da
Colina !
A
Fazenda e Escola Prática tiveram envolvimento de pessoas ilustres, hoje pouco
reverenciadas, como Antônio Teixeira Mendes, português, um dos responsáveis
pela transação de venda da área para a família Queiroz, em 1892. A Fazenda era
vizinha de José da Costa Carvalho (o Marquês de Monte Alegre) e do brigadeiro
Joaquim Mariano Galvão. Samuel Pfromm Neto levanta a hipótese da Fazenda ter
sido de Manoel de Barros Ferraz, pai do barão de Piracicamirim, Antonio de
Barros Ferraz.
O
austríaco Ernest Lehmann administrou a Fazenda de novembro de 1892 a dezembro
de 1893, porém desistiu a ideia de colocar em prática seus planos da Escola
Prática por falta de recursos financeiros. Outro reverenciado é Augusto
Cartagênova, secretário da então Fazenda São João da Montanha, junto a
Morimont, conforme nota publicada na Gazeta de Piracicaba de 29 de outubro de
1895.
Marly
Germano Perecin, em “Os Passos do Saber”, lembra que Morimont e Lehmman era
adeptos a aproveitar o rendimento do trabalhador de origem escrava,
submetendo-o a treinamento adequado para suprir as demandas da Fazenda.
Pedra
por pedra, a história foi construída. E na atualidade é notório o trabalho de
cada um que passou nesta secular escola agrícola de Piracicaba.
(Publicado no Jornal de Piracicaba de 07 de abril de 2024 e na Tribuna Piracicabana de 13 de abril de 2024)
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