Páginas

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Industrial Humberto D’Abronzo – 50 anos

por Edson Rontani Júnior

 


O início se deu pelo movimento de imigração na segunda metade do século retrasado. Brasil e Itália tinham acordos visando a mão de obra destes europeus. Com o fim do escravagismo negreiro, a promessa de nova vida, e a intenção de aumentar a população brasileira, muitas famílias deixam o “velho mundo” e partem para América do Sul. O Brasil foi um dos destinos.

Em 1896, Giuseppe, então aos 62 anos de idade, deixa a cidade de Cassandrino, no interior de Nápoles (Itália). Parte em um navio cargueiro com a esposa e os quatro filhos para o Brasil. Entre os filhos estava Paschoal – também citado como Pasquale em alguns registros (01/09/1886 – 1951), com 10 anos de idade. Este, anos depois, casa-se com a paulistana Rosa (16/3/1893 – 14/11/1969). A família aporta em Santos e ruma para o interior paulista. Trabalha na colheita de café e algodão na fazenda da família Amaral, situada em Mombuca, quando ainda distrito de Capivari. Segundo relato de familiares, a fazenda era dos pais de Moacyr Amaral Santos, um dos fundadores da ACIPI, proprietário do jornal local “O Momento” e ministro do Supremo Tribuna Federal nos anos 1960.

Desta cidade partem para Piracicaba, onde Paschoal cria, em 1910, à travessa Maria Maniero, paralela ao Engenho Central, uma pequena produtora de vinagre e licores. Moravam ali perto, na avenida Barão de Serra Negra. Com o tempo passa a produzir refrigerantes gasosos. Seus dois irmãos têm a mesma ideia: Domingos, com engarrafadora de bebidas em Rio Claro, e Francisco, em Charqueada. Uma das irmãs, Paschoalina, casou-se com Vicente Orlando, patriarca da tradicional Tubaína e Gengibirra Orlando, ainda hoje fabricada.

Paschoal tem seis filhos: Maria (Mariquinha), Luzia, Rafael, Anna (Aninha), Suzana e Humberto. O caçula tornou-se esportista, industrial de renome, futebolista e político. Faleceu 50 anos atrás, em 23 de maio de 1974. É a ele que esse artigo dá destaque a partir de agora.

Humberto D’Abronzo nasceu em Piracicaba à 9 de junho de 1915, segundo registros oficiais. Foi o homem da família. Do outro irmão, Rafael, são raros os registros já que ele faleceu no início da juventude.

Humberto foi jogador de futebol rezendino, sendo identificado em alguns registros como “Junqueira”, atuando na Sucrière, associação desportiva do Engenho.

Dividia o fabrico de engarrafados com seu pai. No final dos anos 1940 resolve apenas envasar caninha, deixando de lado as demais bebidas, incluindo o tradicional Vinho D’Abronzo, com pura qualidade italiana. É aí que surge a Caninha da Serra e o Quá Quá 40 rebatizadas anos depois de Caninha Tatuzinho, que carregava o slogan do “melhor aperitivo nacional”. Este marketing tentava associar pequenos goles da bebida para abrir o apetite.

A D’Abronzo S/A envasava a caninha produzida por outra empresa em barracão ainda hoje existente à rua Boa Morte em frente ao Lar Coração de Maria. Era a fábrica da família Del Nero que produzia a Aguardente 21. Existiam também outros fornecedores.

O mercado acolheu a produção piracicabana. A Tatuzinho chegou a ter 300 funcionários diretos e outros que trabalhavam na logística operando 60 caminhões de entrega. Estes veículos percorriam o Brasil assim como alguns países da América do Sul. D’Abronzo chegou a importar da Argentina máquinas com capacidade de produzir 45 mil garrafas por hora, para um estoque de 10 milhões de litros da caninha.

A fábrica, que começou num tímido barracão ao lado do Engenho Central, passou para a avenida Maria Elisa (próximo a Farmácia do seu Pacheco/Dito da Farmácia) avançando pela avenida Rui Barbosa em barracões ainda preservados.

Nos anos 1950, D’Abronzo se envolve com o futebol sendo cartola do basquete do XV de Piracicaba e do Clube Atlético Piracicabano (CAP), que, junto a Armandinho Dedini, teve intenção de transformá-lo em um rival do XV com contratações volumosas visando entrar na divisão principal do futebol paulista. Nesta época surgem nomes renomados como Mazola e Waldemar Blatkauskas entre outros.

Deixa o Estádio Dr. Koch para dedicar-se ao Estádio Barão de Serra Negra como presidente do alvinegro local entre 1965 e 1970, por dois mandatos. O XV havia sido rebaixado para a segunda divisão em 1965 e coube a D’Abronzo elevar o time em disputada final realizada em janeiro de 1968 numa recordação ainda hoje lembrada por muitos e que fez a cidade parar.

Devido à esta exposição, entra na política postulando a prefeitura da cidade. Acabou não concorrendo.

Foram seis décadas de vida. Muito tempo dedicado a Piracicaba. Muitas atividades para um espaço determinado de linhas deste matutino. Muitos nomes também o auxiliaram nesta jornada. Uma infinidade de nomes, aliás. Foi comendador pela Ordem de São Paulo Apóstolo e Ordem São Francisco, além de ter sido agraciado pelo título de cidadão piracicabano. Seu filho, Pasqual D’Abronzo lembra que conviveu com Humberto por 24 anos, e que boas recordações deste período são gratas, como diversões e amizades com empresários, políticos e personalidades da sociedade piracicabana. “Ele deve ser lembrado como exemplo de italiano visionário e empreendedor que deu certo”, diz.

O fim é triste. Ocorreu às 5 horas da madrugada de 23 de maio de 1974, 50 anos atrás, após dias de internações na Clínica Amalfi. A vida se esvai aos 58 anos de idade. A causa foi um infarto do miocárdio, tendo como declarante Luiz Carlos Longatto atestado o óbito pelo doutor José Eduardo Mello Ayres. A vida se foi. O legado ficou.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 26/05/2024)

Mães de maio

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Mães que passam despercebidas do olhar e da atenção do piracicabano. Perderam seu interesse cívico e turístico. Mas duas mães estão lá, dia e noite nos 365 dias do ano, chova ou faça sol.

Uma das mães está ajoelhada aos prantos. Com um vestido longo e um véu que lhe encobre a face escondida pelas duas mãos. São as mãos as únicas partes desnudas. Demonstra estar inconsolada. Em sua cabeça, uma mão.

Outra mãe está em pé, no outro lado. Esta, por sua vez, tem sua face à mostra e os dois pés desnudos, sendo que um lhe dá suporte para ficar um tanto mais alta, apoiada pelas pontas dos dedos. Com vestimenta similar à outra mãe, esta, por sua vez é mais despojada, expondo parcialmente sua face, as pontas dos pés e as mãos. A mão direita aliás parece agarrar como se não quisesse largar algo. A outra mão segura um bebê de colo, aparentemente dormindo, sem qualquer traje e com cabelo ainda em formação.

Ao centro das duas mães, um homem fardado para ir à guerra, com capacete, coldre, porta cartuchos, cinto apoiado por suspensório, farda e botina. Este homem pousa sua mão direita sobre a cabeça da mãe que está ajoelhada, nos remetendo ser esta sua verdadeira mãe que, chorando, desespera-se por sua partida na incerteza de que ele retornará com vida ao seio familiar. A mão esquerda ele coloca sobre o ombro esquerdo da outra mãe, que além do peso físico ao segurar o filho, agarra-o dando-nos a chance de saber que este era seu marido, pai de seu filho. Ambos se beijam na boca. As mãos falam muito, pois estamos diante da cena de uma despedida. Um breve até logo ou um eterno adeus para alguns piracicabanos que partiram da cidade. Um choro entre duas mães que se perpetua há quase 90 anos.

Assim é a obra em bronze de Lélio Coluccini, situada na praça José Bonifácio. Mais fácil para localizar, encontra-se em frente a Rádio Difusora e o Clube Coronel Barbosa. É o Monumento ao Soldado Constitucionalista de 1932 e que representa a mãe piracicabana, por muito e muito tempo. Não existe apenas esta face, mas vamos concentrar neste lado do Monumento. Tem ao seu centro, apontando para a matriz de Santo Antonio, uma bela dama que segura uma coroa de louro, representando a liberdade e a República Brasileira. Do outro lado, dois combatentes, sendo um em pé com uma arma longa e outro sentado como se tivesse sido atingido por um projétil.

Coluccini foi muito profundo ao projetar em tamanho real as figuras. Mas, a grosso modo, parece que todas são bem maiores que um ser humano médio. Isso é uma forma de reverenciar piracicabanos, paulistas e brasileiros num período delicado de nossa história. Aliás, as estátuas estão assumindo uma cor verde incondizente diante do puro bronze que era visto poucos anos atrás.

As mães “invisíveis” foram colocadas na praça 7 de Setembro (denominação de então) em 1938, bancadas por doações populares. Foi o segundo monumento aos voluntários da Revolução de 1932, sendo o primeiro o jazigo aos combatentes situado no Cemitério da Saudade. Ficaram realmente invisíveis de 1981 a 1988 quando o monumento foi desmontado e levado para a praça em frente ao Cemitério da Saudade, numa tentativa de modernizar o calçadão da praça José Bonifácio. Mas, devemos deixa-las invisíveis ou vale a pena parar alguns minutos para contemplar tal obra de arte? Afinal, o Monumento está lá há 86 anos e é impossível você nunca ter notada sua presença.

Foi o prefeito Luiz Dias Gonzaga e uma comissão de cidadãos que contrataram o escultor Lélio Coluccini, italiano da cidade de Pietrasanta, região da Toscana. Este chegou com a família ao Brasil quando tinha dois anos. Era de uma família de artesãos em mármore que na cidade de Campinas (São Paulo) fundaram a Marmoraria Irmãos Coluccini. Estudou no Instituto de Arte Stagio Stagi em Pietrasanti. Tinha 28 anos quando concluiu o Monumento ao Soldado Constitucionalista em Piracicaba. Deixou obras memoráveis no Brasil, como a escultura A Caçadora, pertencente ao acervo do Museu da Arte Moderna de São Paulo. Nasceu em 3 de dezembro de 1910 e faleceu em Campinas no dia 24 de julho de 1983.

A localização do monumento ocorre por ter sido neste espaço, em 16 de julho de 1932, a apresentação do 1º. Batalhão Piracicabano (também chamado “Noiva da Colina”), para a Estação da Paulista, rumo a capital do estado. Muitas mães ficaram “órfãs” a partir deste dia ...

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 19 de maio de 2024)

domingo, 12 de maio de 2024

Caipira que vai à mesa

 Edson Rontani Júnior, jornalista, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

“Fulano é arroz de festa”. A expressão surgiu da realeza e nobreza portuguesas que por aqui aportaram. Em todas as festas reais, o tal arroz de festa era servido, numa tradição que surgiu lá pelos anos 700 quando os árabes invadiram a península ibérica. Sim, o arroz de festa veio do oriente médio. Esta guloseima é o tal arroz-doce, servido principalmente em festas religiosas. A influência dos árabes pode ser vista na especiaria conhecida por canela em pau ou em pó que o acompanha.

Nos tachões antigos, durante a fabricação do açúcar, ficavam raspas duras tiradas com espátulas. Era uma concentração elevada do próprio açúcar. Assim nasceu a rapadura (de raspas duras) que inicialmente era dispensada, sem utilidade, já que o fabrico específico era o açúcar. Com o tempo virou comida em muitos pratos do norte e nordeste. Hoje é mais uma sobremesa colocada em nossa gastronomia.

Estas e outras curiosidades foram exploradas no livro “Culinária brasileira, muito prazer”, lançado em dezembro pela Editora Senac. A autora é Roberta Malta Saldanha que já escreveu livros sobre gastronomia e vinhos. A mesma dá um capítulo especial à caipirinha e credita a invenção à Piracicaba no período da pandemia anterior à atual da covid-19, aquela conhecida por gripe espanhola que assolou o mundo logo ao final da Primeira Guerra Mundial estendendo-se de 1918 a 1920. Era um remédio caseiro de cachaça, mel e limão. Seu nome veio por ter surgido em nossa terra. Yes ! Somos caipiras com muito orgulho. Fez o maior sucesso na Semana da Arte Moderna em 1922, drinque oficial do evento na capital paulista.

Piracicaba não ficou distante da pandemia da gripe espanhola. Deixou a cidade de quarentena, matando 88 pessoas e atingindo outras 4.178, em especial as residentes no Porto João Alfredo (Ártemis) e outros bairros então considerados como zona rural. A cidade tinha perto de 30 mil habitantes. Tudo parou. Escolas, jogos de futebol, comércio... Houve tempo para inventar tal coquetel.

Não que isso fosse novidade. João Chiarini pregava que a caipirinha surgiu em nossa cidade. Até bateu um papo descontraído com Lima Duarte no programa Som Brasil, da TV Globo, levado ao ar em 28 de dezembro de 1988, atestando isso. Cecílio Elias Netto também tocou no assunto no seu livro “Piracicaba, doçura da terra”, lançado em agosto de 2017 pelo ICEN.

Piracicaba teve seu papel de destaque na produção da caipirinha por ser uma terra produtora de muitas toneladas da cana de açúcar, produto importado pelos colonizadores. O setor sucroacooleiro se expandiu depois de muitos estudos. Europeus e norte-americanos que aqui vieram estudar e trabalhar tentaram cultivar algodão e alfafa, como os ex-diretores da Esalq Clinton Smith e Emilio Castello. Este último passou uma temporada na Argentina estudando alfafa regressando com relatório para seu plantio em escala na nossa cidade.

Mas, já que falamos da cachaça (também conhecida por aguardente, pinga, caninha, entre outas denominações que variam conforme sua graduação e fabricação), cabe lembrar que a cidade sempre teve tradição em sua produção. Não é raro ainda ver referência à Caninha Tatuzinho, da família D’Abronzo, que em meados dos anos 1960 tentou o mercado exterior com sua Samba’s Rum, numa jogada de marketing de Jorge César de Vargas. Ou ainda a Caninha Cavalinho da família Carmignani. Curioso é ver que esta tradição surge no início do século passado, liderada por imigrantes italianos como Ermelindo Del Nero e sua indústria situada à rua Boa Morte em frente ao Lar Escola Coração de Maria onde eram fabricados os rótulos Aguardente Brasileira e Caninha Velha 1921. Abrahão Zaidan incorporou seu nome na Caninha Zaidan em meados do século passado. José Madazio tinha sua produção no bairro Guamium. Não podemos esquecer da mais que centenária Usina Capuava que, através de Henrique Christiano Mathiessen, dinamarquês, produzia aquavita há cerca de 130 anos atrás, mas hoje fornece derivados da cana de açúcar para empresas de renome internacional. Também tivemos produtores de destilarias e reparo em alambiques. Tudo em prol da saúde ! Um trago pela conquista !

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 12 de maio de 2024 e na Tribuna Piracicabana de 18 de maio de 2024)

 

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Ainda aos trabalhadores

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

 

No mês dos trabalhadores, nada mais justo que lembrar alguns empreendedores que geraram oportunidades de trabalho na cidade. Destaque na primeira metade do século passado, Antônio Borja Medina utilizou-se da mão de obra local para construir o Teatro São José (inaugurado em 1927). Também foi ele o idealizador do Clube Piracicabano, hoje ocupado pelo Clube Coronel Barbosa. Nos anos 1930 edificou o Cine Broadway que a geração anos 1980 conheceu por Cine Tiffany. Todas estas obras estavam situadas na rua São José, ao entorno da praça José Bonifácio.

Era um trabalhador público ou servidor municipal quem lia as resoluções da Câmara Municipal. Isso no período em que a povoação se formava. Como a alfabetização não era acessível a grande parte da população, as deliberações políticas eram lidas na praça central da cidade, normalmente pelo porteiro ou outro funcionário qualquer. Ao final das sessões da Câmara, este nobre representante da servilidade pública anunciava as decisões da edilidade. Claro que havia público, que esperava pelas boas novas, algumas nem tão boas assim, e aplaudiam as decisões. Existiam aqueles que pigarreavam ou soltavam longos muxoxos em desaprovação.

Leandro Guerrini relembra numa de suas obras as estradas que serviam Piracicaba. No final do século retrasado, o que existia era a pá na mão e veículos de tração animal. Estradas eram de terra sovada. As estradas, atalhos, rócio ou picadões eram de responsabilidade dos donos das terras, fazendeiros e sitiantes. A mão de obra era por conta própria, colocando estes caminhos a disposição de qualquer pessoa. Eis que em 30 de maio de 1892 foi apresentado pela intendência municipal a proposta que reparo e preservação das estradas ficavam a cargo do município. Ufa, exaltou um sitiante !

Empreendedores também surgiram do nada e aqui fizeram fama e fortuna. Alemães, italianos ... todos atraídos pela propaganda em decorrência do fim da escravidão. Vieram tentar vida nova. Dentre eles está Giuseppe D’Abronzo que deixou a Itália com 62 anos em 1896. Instalou-se com a família em Mombuca trabalhando no cultivo e colheita de café e algodão. Seu filho, Paschoal, vem a Piracicaba em 1910 e começa a fazer bebidas e vinagre na Vila Rezende, na travessa Maria Maniero, perto do Engenho Central. A história prosperou e a família foi produtora de um dos aperitivos mais conhecidos do Brasil: a Caninha Tatuzinho, fabricado pelos D’Abronzo de 1953 a 1969. A empresa, sediada na avenida Rui Barbosa, tinha estoque de 10 milhões de litros de caninha empregando 300 trabalhadores de forma direta e frota de 60 caminhões que viajavam pelo país.

Outra empresa com o mesmo porte de funcionários era a Fábrica de Tecidos Arethusina, instalada à beira do rio Piracicaba, onde hoje está a avenida Beira Rio. O espaço anteriormente foi a Fábrica de tecidos Santa Francisca de Luiz de Queiróz. A Arethusina foi uma das mais bem conceituadas contratante da mão de obra local e situou-se como uma das maiores indústrias paulistas. Era de propriedade de Rodolpho Nogueira da Rocha Miranda, depois deputado estadual e federal além de ministro da agricultura.

Aos 14 anos de idade, em 1890, Pedro Morganti deixou Massarosa, Itália, rumo a São Paulo. Voltou a Itália com seu irmão para fazer o serviço militar. Quando na juventude, dormia em sobre o balcão de venda de café numa torrefação na capital paulista. Em 1910 adquiriu o Engenho Monte Alegre, em Piracicaba. Empregou centenas de pessoas e formou um conglomerado comercial que envolvia o Monte Alegre, Santa Rita, Santa Rosa e Taquaral, além de outras cidades. São exemplos de trabalhadores que fizeram desta cidade ser o que é na atualidade.  

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 08 de maio de 2024)

sábado, 4 de maio de 2024

Ao trabalhador, com carinho

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Semanas atrás, durante inauguração do Espaço Digital do Memorial do Empreendedorismo, na sede da ACIPI, a historiadora Marly Germano Perecin deu um show de palestra. De lá, saí com o conhecimento de que o primeiro empreendedor de nossa terra, lá em meados do século 1700, foi o construtor de botes criados para ser utilizado no rio Piracicaba. Quem seria tal habilidoso marceneiro? Seja quem for, acabou legado ao esquecimento.

Mas, nestes 257 anos de história, nossa cidade teve alguns trabalhadores conhecidos e muitos ilustres desconhecidos que fizeram do ofício profissional uma forma de ajudar Piracicaba chegar onde está.

A utilização do trabalhador envolve diversas fases, desde a mão de obra escravagista a imigração voluntária. Piracicaba foi a terceira cidade do estado de São Paulo a empregar a mão de obra de escravos africanos. Séculos depois, campanhas governamentais trouxeram a cidade uma onda migratória na qual aportaram italianos, alemães, japoneses, dos países do Oriente Médio e de diversas outras origens.

Entre reflexões para o dia de hoje, Piracicaba teve usinas referência como a Refinadora Paulista ou Monte Alegre e o Engenho Central. Teve centros produtores como o instalado por Luiz de Queiróz no espaço conhecido por Boyes, mas que, em 1874, chamava-se Tecidos Santa Francisca. Empregava 300 pessoas.

Nada melhor que lembrar a Rua do Commércio, onde eram praticadas vendas de bens do comércio em geral. A rua teve alterado seu nome por um curto período de tempo entre 1931 e 1932 para rua João Pessoa, consagrando-se, após a Revolução de 1932, como rua Governador Pedro de Toledo. Foi nestas proximidades que em 5 de julho de 1888 inaugura-se o Mercado Municipal da cidade. A abertura ocorre às 6h30 da manhã. Coube a três funcionários da municipalidade (Câmara de Vereadores) abrirem o portão do local. Comprador mesmo, nenhum. O poder público, representado pelos vereadores, comparece ao local às 14 horas. Estes dão uma rápida olhadela e saem sem abrir o bico. Nem comprar nada.

Não há como negar que muitos trabalhadores alcançaram seu cantinho no mercado graças ao pioneirismo empreendedorismo de gente como Mário Dedini, em cujas empresas contratou 3.200 funcionários e ofertou mais de 9 mil empregos indiretos. Tornou Piracicaba como referência em tecnologia sucroalcoleira suprimindo cerca de 60% do mercado nacional com seus produtos e mão de obra.

Hoje Piracicaba é referência entre os trabalhadores que buscam boa colocação no mercado, ofertando vagas em diversas áreas profissionais. A cidade conta com três distritos industriais organizados pelo poder municipal: Unileste, Uninoroeste e Uninorte, além do Parque Automotivo. Existe projeto para implantação do quarto distrito, a Unisul, em áreas próximas ao Ceagesp. Além disso, a iniciativa privada também batizou outros distritos industriais particulares como o Alphanorth, no Guamium, e o Uninorte II, no Água Santa, nos quais estão instaladas empresas de renome. Cabe também destacar o Parque Tecnológico, local em que estão laboratórios de big techs, HUBs e startups.

O desenvolvimento industrial toma corpo nos anos 1970 com a projeção do Distrito Industrial Leste próximo à antiga rodovia para São Paulo (a atual estrada para Tupi). O local chama atenção de empresas como a norte-americana Caterpillar e a holandesa Philips. Hoje a cidade é sede de matrizes ou filiais de empresas coreanas, suíças, alemãs, austríacas ... Cabe lembrar que no longínquo início dos anos 1980, a cidade foi cenário de uma revolução tecnológica: o CD. O primeiro compact disc musical foi lançado pela Philips, que por cerca de 10 anos ocupou o prédio atualmente utilizado pela Phinia. Deste local saiu um projeto que revolucionou a música, lida por feixes luminosos e tinha perspectiva de substituir o LP. O CD tinha pérolas da MPB gravadas na década anterior nas vozes de Gal Costa, Gilberto Gil, Ivan Lins e outros.

E assim caminhamos com grande dívida ao trabalhador, com afeto e carinho.