Edson Rontani Júnior, jornalista, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
“Fulano é arroz de festa”. A expressão surgiu da realeza e nobreza portuguesas que por aqui aportaram. Em todas as festas reais, o tal arroz de festa era servido, numa tradição que surgiu lá pelos anos 700 quando os árabes invadiram a península ibérica. Sim, o arroz de festa veio do oriente médio. Esta guloseima é o tal arroz-doce, servido principalmente em festas religiosas. A influência dos árabes pode ser vista na especiaria conhecida por canela em pau ou em pó que o acompanha.
Nos
tachões antigos, durante a fabricação do açúcar, ficavam raspas duras tiradas com
espátulas. Era uma concentração elevada do próprio açúcar. Assim nasceu a
rapadura (de raspas duras) que inicialmente era dispensada, sem utilidade, já
que o fabrico específico era o açúcar. Com o tempo virou comida em muitos
pratos do norte e nordeste. Hoje é mais uma sobremesa colocada em nossa
gastronomia.
Estas
e outras curiosidades foram exploradas no livro “Culinária brasileira, muito
prazer”, lançado em dezembro pela Editora Senac. A autora é Roberta Malta
Saldanha que já escreveu livros sobre gastronomia e vinhos. A mesma dá um
capítulo especial à caipirinha e credita a invenção à Piracicaba no período da
pandemia anterior à atual da covid-19, aquela conhecida por gripe espanhola que
assolou o mundo logo ao final da Primeira Guerra Mundial estendendo-se de 1918
a 1920. Era um remédio caseiro de cachaça, mel e limão. Seu nome veio por ter
surgido em nossa terra. Yes ! Somos caipiras com muito orgulho. Fez o maior
sucesso na Semana da Arte Moderna em 1922, drinque oficial do evento na capital
paulista.
Piracicaba
não ficou distante da pandemia da gripe espanhola. Deixou a cidade de
quarentena, matando 88 pessoas e atingindo outras 4.178, em especial as
residentes no Porto João Alfredo (Ártemis) e outros bairros então considerados
como zona rural. A cidade tinha perto de 30 mil habitantes. Tudo parou.
Escolas, jogos de futebol, comércio... Houve tempo para inventar tal coquetel.
Não
que isso fosse novidade. João Chiarini pregava que a caipirinha surgiu em nossa
cidade. Até bateu um papo descontraído com Lima Duarte no programa Som Brasil,
da TV Globo, levado ao ar em 28 de dezembro de 1988, atestando isso. Cecílio
Elias Netto também tocou no assunto no seu livro “Piracicaba, doçura da terra”,
lançado em agosto de 2017 pelo ICEN.
Piracicaba
teve seu papel de destaque na produção da caipirinha por ser uma terra
produtora de muitas toneladas da cana de açúcar, produto importado pelos
colonizadores. O setor sucroacooleiro se expandiu depois de muitos estudos.
Europeus e norte-americanos que aqui vieram estudar e trabalhar tentaram
cultivar algodão e alfafa, como os ex-diretores da Esalq Clinton Smith e Emilio
Castello. Este último passou uma temporada na Argentina estudando alfafa
regressando com relatório para seu plantio em escala na nossa cidade.
Mas,
já que falamos da cachaça (também conhecida por aguardente, pinga, caninha,
entre outas denominações que variam conforme sua graduação e fabricação), cabe
lembrar que a cidade sempre teve tradição em sua produção. Não é raro ainda ver
referência à Caninha Tatuzinho, da família D’Abronzo, que em meados dos anos
1960 tentou o mercado exterior com sua Samba’s Rum, numa jogada de marketing de
Jorge César de Vargas. Ou ainda a Caninha Cavalinho da família Carmignani. Curioso
é ver que esta tradição surge no início do século passado, liderada por
imigrantes italianos como Ermelindo Del Nero e sua indústria situada à rua Boa
Morte em frente ao Lar Escola Coração de Maria onde eram fabricados os rótulos
Aguardente Brasileira e Caninha Velha 1921. Abrahão Zaidan incorporou seu nome
na Caninha Zaidan em meados do século passado. José Madazio tinha sua produção
no bairro Guamium. Não podemos esquecer da mais que centenária Usina Capuava
que, através de Henrique Christiano Mathiessen, dinamarquês, produzia aquavita
há cerca de 130 anos atrás, mas hoje fornece derivados da cana de açúcar para
empresas de renome internacional. Também tivemos produtores de destilarias e
reparo em alambiques. Tudo em prol da saúde ! Um trago pela conquista !
(Publicado no Jornal de Piracicaba de 12 de maio de 2024 e na Tribuna Piracicabana de 18 de maio de 2024)
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