Páginas

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Mães de maio

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Mães que passam despercebidas do olhar e da atenção do piracicabano. Perderam seu interesse cívico e turístico. Mas duas mães estão lá, dia e noite nos 365 dias do ano, chova ou faça sol.

Uma das mães está ajoelhada aos prantos. Com um vestido longo e um véu que lhe encobre a face escondida pelas duas mãos. São as mãos as únicas partes desnudas. Demonstra estar inconsolada. Em sua cabeça, uma mão.

Outra mãe está em pé, no outro lado. Esta, por sua vez, tem sua face à mostra e os dois pés desnudos, sendo que um lhe dá suporte para ficar um tanto mais alta, apoiada pelas pontas dos dedos. Com vestimenta similar à outra mãe, esta, por sua vez é mais despojada, expondo parcialmente sua face, as pontas dos pés e as mãos. A mão direita aliás parece agarrar como se não quisesse largar algo. A outra mão segura um bebê de colo, aparentemente dormindo, sem qualquer traje e com cabelo ainda em formação.

Ao centro das duas mães, um homem fardado para ir à guerra, com capacete, coldre, porta cartuchos, cinto apoiado por suspensório, farda e botina. Este homem pousa sua mão direita sobre a cabeça da mãe que está ajoelhada, nos remetendo ser esta sua verdadeira mãe que, chorando, desespera-se por sua partida na incerteza de que ele retornará com vida ao seio familiar. A mão esquerda ele coloca sobre o ombro esquerdo da outra mãe, que além do peso físico ao segurar o filho, agarra-o dando-nos a chance de saber que este era seu marido, pai de seu filho. Ambos se beijam na boca. As mãos falam muito, pois estamos diante da cena de uma despedida. Um breve até logo ou um eterno adeus para alguns piracicabanos que partiram da cidade. Um choro entre duas mães que se perpetua há quase 90 anos.

Assim é a obra em bronze de Lélio Coluccini, situada na praça José Bonifácio. Mais fácil para localizar, encontra-se em frente a Rádio Difusora e o Clube Coronel Barbosa. É o Monumento ao Soldado Constitucionalista de 1932 e que representa a mãe piracicabana, por muito e muito tempo. Não existe apenas esta face, mas vamos concentrar neste lado do Monumento. Tem ao seu centro, apontando para a matriz de Santo Antonio, uma bela dama que segura uma coroa de louro, representando a liberdade e a República Brasileira. Do outro lado, dois combatentes, sendo um em pé com uma arma longa e outro sentado como se tivesse sido atingido por um projétil.

Coluccini foi muito profundo ao projetar em tamanho real as figuras. Mas, a grosso modo, parece que todas são bem maiores que um ser humano médio. Isso é uma forma de reverenciar piracicabanos, paulistas e brasileiros num período delicado de nossa história. Aliás, as estátuas estão assumindo uma cor verde incondizente diante do puro bronze que era visto poucos anos atrás.

As mães “invisíveis” foram colocadas na praça 7 de Setembro (denominação de então) em 1938, bancadas por doações populares. Foi o segundo monumento aos voluntários da Revolução de 1932, sendo o primeiro o jazigo aos combatentes situado no Cemitério da Saudade. Ficaram realmente invisíveis de 1981 a 1988 quando o monumento foi desmontado e levado para a praça em frente ao Cemitério da Saudade, numa tentativa de modernizar o calçadão da praça José Bonifácio. Mas, devemos deixa-las invisíveis ou vale a pena parar alguns minutos para contemplar tal obra de arte? Afinal, o Monumento está lá há 86 anos e é impossível você nunca ter notada sua presença.

Foi o prefeito Luiz Dias Gonzaga e uma comissão de cidadãos que contrataram o escultor Lélio Coluccini, italiano da cidade de Pietrasanta, região da Toscana. Este chegou com a família ao Brasil quando tinha dois anos. Era de uma família de artesãos em mármore que na cidade de Campinas (São Paulo) fundaram a Marmoraria Irmãos Coluccini. Estudou no Instituto de Arte Stagio Stagi em Pietrasanti. Tinha 28 anos quando concluiu o Monumento ao Soldado Constitucionalista em Piracicaba. Deixou obras memoráveis no Brasil, como a escultura A Caçadora, pertencente ao acervo do Museu da Arte Moderna de São Paulo. Nasceu em 3 de dezembro de 1910 e faleceu em Campinas no dia 24 de julho de 1983.

A localização do monumento ocorre por ter sido neste espaço, em 16 de julho de 1932, a apresentação do 1º. Batalhão Piracicabano (também chamado “Noiva da Colina”), para a Estação da Paulista, rumo a capital do estado. Muitas mães ficaram “órfãs” a partir deste dia ...

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 19 de maio de 2024)

Nenhum comentário: