Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do
Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
“Sou
um comerciante da escrita”, disse certa feita Monteiro Lobato. Isso resume que,
além de ter uma língua ácida, provocativa e lúcida, fazia das letras um
negócio. Soube bem negociar e fazer dinheiro com tudo que colocou no papel. Fez
carreira e fortuna com seus livros lançados numa época em que a imaginação
vinha da cabeça do leitor, alicerçada por aquilo que ele discorria nas folhas
de livros e jornais.
Ainda
não tínhamos a concorrência do rádio e da televisão. Éramos educados e
entretidos também pela escrita. Pelo menos uma pequena parcela do país, já que
por décadas e décadas, o Brasil formado por pessoas analfabetas. Isso mesmo. A
preocupação com o aprendizado da leitura ocorreu a partir de meados da metade
do século passado. Vamos lembrar que o ensino educacional até os anos 1930 era
feito em francês e até os anos 1960 as missas eram rezadas em latim. Isso
mesmo. Aqui no Brasil. Censo de 1920 mostrava que 71% da população brasileira
era analfabeta.
O
hábito do conhecimento estava entre a classe mais abastada que enviava filhos
para os Estados Unidos ou países europeus para graduação em faculdades. O
ensino público gratuito, inclusive para adultos e moradores da zona rural,
torna-se obrigação do Estado com a Constituição de 1934. Antes, apenas
afortunados poderiam pagar para deixar seus rebentos em escolas particulares,
externatos ou internatos ou ainda ter professora particular em casa.
Foi
aí que Lobato surge num cenário vazio. Foi nosso Júlio Verne, se assim os
leitores me permitem comparar, pois utilizou ao máximo da imaginação para criar
personagens inverossímeis em situações onde apenas a imaginação podia chegar,
quebrando conceitos físicos e sociais. Escreveu uma produção invejável. Fez das
crônicas livros de coletânea como “Urupês” cujos capítulos saíram na “Revista
do Brasil” e no “Estado de São Paulo”, dando base para nosso caipira Nhô Quim.
Soube
negociar seus direitos autorais pois os livros vendiam como água. Isso se
utilizarmos as três primeiras décadas do século passado. Foi um exímio e
habilidoso espadachim com sua caneta bico de nanquim ou máquina de
datilografar, deixando no papel suas reinações que criaram o conceito de um
folclore ativo e participativo do imaginário popular. Até então, Cuca não era
um dragão verde. Era o dragão que São Jorge combatia na lua, segundo tradições seculares.
O jacaré só se esverdeou nos anos 1970 quando virou seriado na TV Globo.
Herdou
tudo que seu avô, Visconde de Tremembé, cultivou durante a vida. Não teve vida
fácil, claro, mas foi ousado em investir no mercado literário através das
Editoras Globo, Cia. Nacional de Livros e Melhoramentos. Quer aguçar sua
curiosidade ? Leia Lobato. Assim vendeu e vendeu e vendeu suas obras. Veio
buscar petróleo em Águas de São Pedro e Charqueada. Vã Investida. Mas tornou-se
notório pelo teor educativo e lúdico de sua obra.
Desde
sempre ouço falar que ele divide o reinado com o piracicabano Thales Castanho
de Andrade. Ambos pais da literatura infantil. Mas creio que isso seja orgulho
apenas de nós piracicabanos. Cada qual teve seu papel na literatura brasileira.
Thales viveu 87 anos (1890/1977) e Monteiro 66 anos (1882/1948). Talvez – há
quem discorde – Thales não tenha o tino comercial de Lobato, não tenha sido
empresariado como este ou não tivesse amigos como a família Mesquita, dona do
jornal “Estadão” onde publicava e dirigiu sua redação. Thales, no romance
“Saudade”, cuja terceira edição foi publicada pelo Jornal de Piracicaba em
1922, no centenário da Independência, é uma obra de arte inspiradora para a
vida juvenil de então, permeada por desenhos icônicos.
A
questão não é dizer quem é o melhor, que tem maiores obras ou quem será sempre
lembrado. Piracicaba com certeza elegerá Castanho como um dos principais
escritores, embora tenha seu nome esquecido até mesmo em setembro, quando a
primavera chegou e ele comemoraria 134 anos de nascimento.
Chegando
ao período de halloween, onde redes supermercadistas e escolas de inglês já
estampam caveiras e abóboras na mais pura importação do folclore
anglo-saxônico, fiquemos com a nossa cultura e saudemos nosso caipiracicabano
Castanho !
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