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quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Castanho

 


Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

“Sou um comerciante da escrita”, disse certa feita Monteiro Lobato. Isso resume que, além de ter uma língua ácida, provocativa e lúcida, fazia das letras um negócio. Soube bem negociar e fazer dinheiro com tudo que colocou no papel. Fez carreira e fortuna com seus livros lançados numa época em que a imaginação vinha da cabeça do leitor, alicerçada por aquilo que ele discorria nas folhas de livros e jornais.

Ainda não tínhamos a concorrência do rádio e da televisão. Éramos educados e entretidos também pela escrita. Pelo menos uma pequena parcela do país, já que por décadas e décadas, o Brasil formado por pessoas analfabetas. Isso mesmo. A preocupação com o aprendizado da leitura ocorreu a partir de meados da metade do século passado. Vamos lembrar que o ensino educacional até os anos 1930 era feito em francês e até os anos 1960 as missas eram rezadas em latim. Isso mesmo. Aqui no Brasil. Censo de 1920 mostrava que 71% da população brasileira era analfabeta.

O hábito do conhecimento estava entre a classe mais abastada que enviava filhos para os Estados Unidos ou países europeus para graduação em faculdades. O ensino público gratuito, inclusive para adultos e moradores da zona rural, torna-se obrigação do Estado com a Constituição de 1934. Antes, apenas afortunados poderiam pagar para deixar seus rebentos em escolas particulares, externatos ou internatos ou ainda ter professora particular em casa.

Foi aí que Lobato surge num cenário vazio. Foi nosso Júlio Verne, se assim os leitores me permitem comparar, pois utilizou ao máximo da imaginação para criar personagens inverossímeis em situações onde apenas a imaginação podia chegar, quebrando conceitos físicos e sociais. Escreveu uma produção invejável. Fez das crônicas livros de coletânea como “Urupês” cujos capítulos saíram na “Revista do Brasil” e no “Estado de São Paulo”, dando base para nosso caipira Nhô Quim.

Soube negociar seus direitos autorais pois os livros vendiam como água. Isso se utilizarmos as três primeiras décadas do século passado. Foi um exímio e habilidoso espadachim com sua caneta bico de nanquim ou máquina de datilografar, deixando no papel suas reinações que criaram o conceito de um folclore ativo e participativo do imaginário popular. Até então, Cuca não era um dragão verde. Era o dragão que São Jorge combatia na lua, segundo tradições seculares. O jacaré só se esverdeou nos anos 1970 quando virou seriado na TV Globo.

Herdou tudo que seu avô, Visconde de Tremembé, cultivou durante a vida. Não teve vida fácil, claro, mas foi ousado em investir no mercado literário através das Editoras Globo, Cia. Nacional de Livros e Melhoramentos. Quer aguçar sua curiosidade ? Leia Lobato. Assim vendeu e vendeu e vendeu suas obras. Veio buscar petróleo em Águas de São Pedro e Charqueada. Vã Investida. Mas tornou-se notório pelo teor educativo e lúdico de sua obra.

Desde sempre ouço falar que ele divide o reinado com o piracicabano Thales Castanho de Andrade. Ambos pais da literatura infantil. Mas creio que isso seja orgulho apenas de nós piracicabanos. Cada qual teve seu papel na literatura brasileira. Thales viveu 87 anos (1890/1977) e Monteiro 66 anos (1882/1948). Talvez – há quem discorde – Thales não tenha o tino comercial de Lobato, não tenha sido empresariado como este ou não tivesse amigos como a família Mesquita, dona do jornal “Estadão” onde publicava e dirigiu sua redação. Thales, no romance “Saudade”, cuja terceira edição foi publicada pelo Jornal de Piracicaba em 1922, no centenário da Independência, é uma obra de arte inspiradora para a vida juvenil de então, permeada por desenhos icônicos.

A questão não é dizer quem é o melhor, que tem maiores obras ou quem será sempre lembrado. Piracicaba com certeza elegerá Castanho como um dos principais escritores, embora tenha seu nome esquecido até mesmo em setembro, quando a primavera chegou e ele comemoraria 134 anos de nascimento.

Chegando ao período de halloween, onde redes supermercadistas e escolas de inglês já estampam caveiras e abóboras na mais pura importação do folclore anglo-saxônico, fiquemos com a nossa cultura e saudemos nosso caipiracicabano Castanho !


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