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quinta-feira, 17 de outubro de 2024

O fanzine brasileiro

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

De passatempo a ícone da comunicação autoral e alternativa. Assim notabilizou-se o primeiro fanzine publicado no Brasil que, no último dia 12 de outubro, completando seus 59 anos. Como brincadeira de gente grande, o fanzine “Ficção” surgiu para preencher a lacuna entre os fãs das histórias em quadrinhos no final de 1965, numa época de ebulição do mercado editorial brasileiro em que desfilavam grandes editoras que propagavam a nona arte, como O Cruzeiro, Ebal, Vecchi, La Selva, Lord Cochrane, RGE, Bloch e muitas outras que faliram ou se fundiram com multinacionais.

Publicação feita no fundo do quintal e nas horas vagas, o “Ficção” não tinha pretensão de ser o primeiro fanzine do país. Foi lançado como “boletim” e apenas em meados dos anos 1970 recebeu esta denominação por estudiosos em comunicação. Não pretendia ser um marco ao catalogar tudo o que foi lançado no mercado de quadrinhos. Era um delicioso passatempo no qual o funcionário público do estado de São Paulo Edson Rontani se dedicava para falar sobre sua maior paixão.

Tem seus antecedentes. Isso nos anos 1940 quando foi impulsionado pelos seriados de cinema produzidos pela Republic Films, os quais apresentavam os heróis da era dourada dos quadrinhos como Flash Gordon, Batman, Superman, Zorro e tantos outros personagens, hoje sob posse da DC Comics e da Marvel Comics. Estes seriados eram exibidos nos Teatro Santo Estevão e no Teatro São José. Rontani em companhia de seu amigo Oswaldo de Andrade eram tão fascinados em reter estas memórias que criavam seus próprios gibis desenhados a mão e distribuídos entre os amigos. Assim propagavam as emoções vistas na tela.

Esta paixão fez com que anos mais tarde houvesse a necessidade de se profissionalizar e procurar pessoas – fora de Piracicaba – para conversar sobre quadrinhos. Cria-se o “Ficção”, impresso em mimeógrafo, com páginas grampeadas, envelopado e enviado pelos Correios. Recebiam esta publicação grandes expressões da época como Adolfo Aizen, Maurício de Souza, Lyrio Aragão, Jô Soares, José Mojica Marins (o “Zé do Caixão”), Gedeone Malagola e muitos outros. Maioria desconhecidos pelo público que surfa pela internet.

“Ficção” circulou até o início dos anos 1970, período em que professores, comunicadores e estudiosos perceberam seu pioneirismo na comunicação alternativa e autoral. Estabelecia-se então o primeiro fanzine publicado no Brasil, algo ainda reverenciado nos dias atuais.

Os primeiros registros do fanzine são datados dos anos 1920 nos Estados Unidos e hoje – em pleno período de avanço tecnológico digital – ainda é feito tanto lá fora quando no Brasil, de maneira artesanal e com muita paixão. Não é a toa que fanzine é a união das palavras fanatic (fã) e magazine (revista), ou seja, a revista feita pelo fã.

Produto genuinamente piracicabano, terra tão cheia de cultura e com grandes revelações, o fanzine vem sendo reverenciado neste mês por chegar aos seus 59 anos, com atividades realizadas em universidades e republicações que serão feitas em todo o país. Não faltaram manifestações no último final de semana. As mídias sociais digitais, inclusive, impulsionam para que isso se torne mais evidente. É referência inclusive em estudos científicos, embora desconhecido na terra natal de seu autor.

Como passatempo, virou marco na comunicação. Talvez porque seu criador nunca pensou em fazê-lo um trabalho pioneiro - procurava o meio e nunca o fim como reconhecimento, para colher sua devida colocação na arte nacional.


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