Páginas

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Cinemas e cinemaníacos

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba



A arte do cinema sempre foi vista como um escapismo à realidade. É o mundo da ilusão. Foi uma indústria multibilionária que criou consumidores, estrelas, sonhos, desejos ... É um entretenimento que está na moda há quase 130 anos. Ainda temos salas exibidoras com alto investimento, ao contrário de outras formas de exposição cultural, como os teatros, por exemplo. Ano passado, em “Babilônia”, Damien Chazelle fez uma elegia à sétima arte que explica como funciona todo este universo cheio de estrelas. Na sua esteira surgiram outras indústrias riquíssimas como a televisão, o Super 8, VHS, DVD e atualmente o streaming.

Piracicaba sempre foi bem receptiva com esta arte, com cinemas e profissionais da exibição. E, claro, a cidade teve seus amantes da telona. Por aqui funcionou o Clube Piracicabano de Cinema, sendo presidido de 1949 a 1952 por Gastão da Silva Dias (1924/2008). Ele foi um dos fundadores da Sociedade de Cultura Artística.

Outros viram o cinema como fator mercantilista. Influente na cidade, tendo sido seu prefeito em dois mandatos iniciados em 1926 e encerrados em 1932, José Barbosa Ferraz foi proprietário do Teatro e depois cinema São José, cujo prédio ainda existe na rua São José entre a Governador e a praça José Bonifácio. O teatro-cinema possuía poltronas para duas mil pessoas. Foi construído pelo arquiteto Antonio Borja Medina com teto pintado por Bruno Bacelli. Acertou quem pensou que esse proprietário era o Coronel Barbosa, que levou nome no antigo Clube Piracicabano.

Visionário foi Medina (cujo nome chega a ser desconhecido), arquiteto e construtor. A cidade deve a ele suas principais e clássicas salas exibidoras. Nos anos 1930 edificou o cine Broadway na São José (também foi o Tiffany e o Bingo Broadway) ocupado hoje por um templo religioso.

A história remonta a união da imagem em movimento ao som. Com isso, surgem opções de orquestras que animam as apresentações. Entre os músicos que sonorizaram a tela grande está Belmácio Pousa Godinho (1892/1980), também um dos fundadores do XV de Novembro. Integrou a Orquestra Lozano de Piracicaba através da qual criava som aos filmes mudos na década de 1910.


A Orquestra Lozano era capitaneada por Fabiano Sebastian Rodrigues Lozano. Este criou em 1913, a Orquestra do Teatro-Cinema de Piracicaba que contou também com Erotides de Campos como um de seus músicos. Note que estamos referindo aqui à pesos-pesados da cultura local.

A orquestra teve participação de Perfetti, maestro no cinema Íris, Broadway e Politeama. Carlos Brasiliense Pinto e Melita Brasiliense Pinto também tocaram com Perfetti. Outras orquestras que abrilhantaram os cinemas locais foram regidas por Zico Marzagão e Adolfo (ou Adolpho) Silva. Também participaram deste time José de Aguiar (Aguiarzinho), Osório Aguiar Sousa e Totó Carmello.

João Baptista Vizioli (1902/1983) – advogado, vereador e vice-prefeito de Francisco Salgot Castillon em 1959 – participou da orquestra que animou exibições dos cines Íris e Politeama. 

Francesco Stolf foi quem criou o cine Politeama – o segundo – situado à praça José Bonifácio nº 914, funcionando de 1954 a 1981 quando o espaço foi ocupado pelas agências bancárias Itaú e Bradesco.

Se a cidade era um celeiro de amantes do cinema e das salas exibidoras, cabe destacar que também produziu obras. Jaçanã Altair Pereira Guerrini – com o esposo Leandro Guerrini foi uma das fundadoras do IHGP – escreveu o livro “João Negrinho”, adaptado para o cinema na década de 1950. A obra utiliza do escravismo brasileiro para relatar a amizade de um negro e um branco unidos por um padre que prega a igualdade racial e social.

De passado também vivemos e cabe lembrar de Victor Walker, um dos primeiros exibidores fixos de cinema. Foi cenógrafo dos teatros na cidade na década de 1900.

Samuel Pfromm Neto no seu “Dicionário de Piracicabanos” (Editora IHGP) evoca Romeu Cândido Moraes (1918/2006) que dedicou boa parte de sua vida ao cinema. Foi projecionista do Cine Brodway. Era responsável por escolher as músicas executadas antes da exibição dos filmes. Participou do Clube Piracicabano de Cinema lá por volta de 1950 emprestando filmes de sua coleção particular para exibições públicas. O Clube funcionava como uma cinemateca com exibições nos clubes Cristóvão Colombo, Coronel Barbosa e Sociedade Italiana.

Mais recentemente, nos anos 1980, a cidade contava com o cine Broadway (demolido), Rivoli (igreja), Colonial (desocupado), Paulistinha (comércio) e também a Sala Grande Otelo / Cine Arte, no Teatro Municipal Dr. Losso Netto. São locais que reuniram famílias e namorados. Atualmente a cidade consta com salas exibidoras apenas no Shopping Center Piracicaba, com apresentações 2D, 3D e em 4K.

Publicado no Jornal de Piracicaba de 29 de outubro de 2023 e na Tribuna Piracicabana de 09 de novembro de 2023


Nenhum comentário: