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domingo, 26 de novembro de 2023

O embrião da Boyes

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba


Pegou fogo no vagão 22 da Cia. Férrea Ythuana. Nele estava uma carga de algodão em rama, adquirida por Luiz de Queiroz que seria manufaturada para criar tecidos em sua fábrica Santa Francisca. Esse era o teor de uma manchete do jornal “Gazeta de Piracicaba” de 6 de abril de 1878.

Tal fato mereceu destaque na imprensa local tamanha era credibilidade que possuía a empresa inicialmente denominada Santa Francisca, depois Arethusina e finalmente Boyes. Era uma das três principais indústrias da cidade, junto à Usina Monte Alegre e Engenho Central.

Este princípio serve para relatar a importância que teve na cidade o empreendedor Luis de Queiroz que, embora tenha vivido pouco – faleceu aos 49 anos – deixou grandes marcadas na cidade.

Nascido em um bom berço, Luiz Vicente de Souza Queiroz (nasceu e faleceu em São Paulo, 1849/1898) vinha de família abastada sendo filho do barão de Limeira - Vicente de Souza Queiroz - e de Francisca de Paula Souza, filha do conselheiro senador Antônio Francisco de Paula Souza, o criador da Escola Politécnica de São Paulo. Era o quinto de 15 filhos. Casou-se com Ermelinda Ottoni de Souza Queiroz, filha do conselheiro do Imperador, senador do Império e engenheiro Christiano Benedicto Ottoni.

Sua saga começa quando parte para a Europa aos oito anos, permanecendo no exterior por 16 anos, nos quais estudou agronomia e veterinária na França e Suíça. Em 1873 ele regressou ao Brasil para tomar posse da herança deixada pelo pai. O processo de herança ocorreu na capital paulista, no cartório 2º Ofício de Órgãos e Ausentes, dando a Luiz a Fazenda Engenho D’Água, na época um mundaréu de capim situado à margem esquerda do rio Piracicaba. Surgia no local o embrião daquilo que conhecemos por Boyes.

A fazenda havia sido comprada pelo Barão de Manuel Rodrigues Jordão e, quando vendida ao barão de Limeira, já possuía moinho, monjolo e serraria, tudo movido com a força da água. Já notou que há um desvio do Piracicaba para dentro da Boyes ? Pois bem, como não existia energia elétrica na época, a força da água era captada para gerar energia. Segundo Maria Celestina Teixeira Mendes Torres em “Piracicaba no Século XIX” (Editora IHGP), foi a primeira usina termelétrica do interior.

A história diz que em 1º de julho de 1874 são iniciadas as obras da empresa que décadas depois seria conhecida por Boyes, data em que foi colocada a pedra fundamental do empreendimento, abençoada pelo reverendo padre João de Almeida. A cidade parou. Houve música tocada por uma banda e servido “refresco” a determinados convidados numa casa próxima à fábrica de tecidos. Luiz de Queiroz foi recebido na mesma noite para uma ceia animada acreditando no benefício que a nova indústria viria a trazer a Piracicaba. “Um brinde ao amante do progresso” teria dito alguém. Oficialmente, a data de inauguração da Fábrica de Tecidos Santa Francisca ocorre em 23 de janeiro de 1876.

Em 23 de setembro de 1876 o jornal “O Piracicaba” publicava anúncio dizendo que a fábrica de Queiróz tinha produtos que se equiparavam ao produzido em Petrópolis e vendia panos de primeira linha dos tipos tinto, riscado e mesclado.

A cidade novamente se desenvolvia à margem do rio Piracicaba. Foi na Boyes que surgiu a primeira linha de telefone na cidade. Ela ligava a empresa de tecidos à Fazenda Santa Genebra, não muito distante dali. O assunto foi noticiado pela Gazeta em 11 de outubro de 1882. Curiosidade: os postes de telefone passaram a ser atração aos moradores.

Outro pioneirismo: a instalação da luz elétrica. Na época, os postes era acessos com querosene e apagados no meio da noite por um funcionário público. A luz elétrica – em residência particular, portanto, não iluminação pública – teve seu auge na cidade durante a visita do Conde e da Consessa d’Eu (ela, a Princesa Isabel). Vieram para Piracicaba em 12 de novembro de 1884 visitando a fábrica de tecidos e o Palacete Boyes.

Capitalista, Luiz de Queiróz era uma pessoa que fazia dinheiro com o próprio dinheiro. Vivíamos numa época em que os tecidos eram comprados por rolos ou como se dizia antigamente por “fazenda”. Não existiam roupas prontas como temos hoje. Eram feitas por habilidosos alfaiates e demoravam dias ... semanas ... para ficarem prontas. Assim, a fábrica de tecido supria o mercado de uma necessidade vital num período em que a moda exigia vestidos longos com mangas compridas para mulheres e paletós para os homens. Tanto que a concorrência botou “zóio gordo” na Santa Francisca. Em 2 de outubro de 1890 a Câmara de Vereadores indefere o pedido de Antonio Teixeira Mendes e Manuel Pereira Granja de construírem uma fábrica de tecidos entre a fábrica de Queiroz e a praça André Sachs. E viva o monopólio !

Em abril de 1893, Queiróz incorpora todo seu patrimônio, depois de quase 20 anos de atividade, à Companhia de Cultura de Tecidos de Algodão S/A, sediada no Rio de Janeiro. Leandro Guerrini em “Piracicaba em Quadrinhos – Volume 2” diz que a incorporação não deu certo. Em 1897 a empresa encerra temporariamente suas atividades. Mas a história continua ...

Publicado no Jornal de Piracicaba de 26 de novembro de 2023 na Tribuna Piracicabana de 2 de dezembro de 2023.

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