Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba
O ano de 2024 está aí. Estamos em seus primeiros dias. Daqui a pouco nem lembraremos das promessas feitas no final de semana passado e continuaremos a vida como ela quer, numa eterna rotina. Mas o tempo é de renovar. Ou de olhar para trás como veremos nas próximas linhas.
Duzentos
anos atrás, a cidade de Piracicaba tinha rotinas diferentes. Poucos são os
registros das obras aqui construídas, dos anseios individuais, da vida social,
das atividades culturais e recreativas. Era só trabalhar, comer e dormir ? Claro
que não. Alguns pontos históricos registrados encontram-se em atas das Câmara
de Vereadores, almanaques anuais e publicações nem tão recentes deixadas por
Mário Neme, Leandro Guerrini, João Chiarini e outros estudiosos que propagaram
a vida local nestes 256 anos de Piracicaba.
A
imprensa local sequer era constituída. Leandro Guerrini diz que Jair Toledo
Veiga descobriu um jornal escrito a mão e distribuído aos leitores, no qual o
senador Vergueiro publicava críticas sobre a rotina local. Isso no início dos
anos 1800. O jornal era feito a mão.
Em
1824, Piracicaba, então Vila da Nova Constituição, respirava a monarquia
instituída em 1822 sob a regência de dom Pedro I, independente dos mandos e
desmandos do reino de Portugal. Sua força motriz ainda era à base do
escravagismo. A onda imigratória dos alemães, italianos e outros ocorre várias
décadas depois. Dois séculos atrás, a cidade ainda formava sua geografia
urbana. As famílias deixavam aos poucos a rua do Porto. Miravam para o Centro e
expandiam para as terras anteriores à Paulista – lugar afastado – e se acomodavam
em torno do ribeirão do Itapeva (hoje avenida Armando de Salles Oliveira). Ruas
– hoje denominadas São José, Prudente de Moraes, XV de Novembro, Benjamin
Constant, Boa Morte, Governador Pedro de Toledo, e outras – já estavam
alinhadas, como queria a edilidade por orientação do governo provincial. No
meio de 1824, precisamente em 9 de junho, a Câmara local realiza inspeção para
alinhar a rua do Conselho, colocando “estacas em cada hum dos cantos dos
quarteiroins”. As atas dizem que o desalinhamento era uma “tortura” para as
vistas. A base do alinhamento se daria a partir do Rio (talvez o Itapeva).
Ficou reta ? Basta ter em mente que esta rua se trata daquela que hoje é
denominada Regente Feijó. Foram responsáveis por esta demarcação os arruadores
e demarcadores Piloto Feliz Leme e Antonio do Espírito Santo (este, assinava
com uma cruz, devido ao seu nome).
Duzentos
anos atrás surge aquilo que hoje conhecemos por município de Rio Claro, em área
de Piracicaba. A fundação ocorre durante inauguração da igreja à margem do
Ribeirão Claro. Autoridades locais, entre elas o Barão de Piracicaba (António
Pais de Barros), foram à capela em 24 de junho, dia de São João, santo do dia,
para a inauguração. A área próxima à Capela receberia casas ao longo dos anos
seguintes. A região passou a ser denominada São João do Rio Claro.
Em
28 de junho, documento assinado por dom Pedro I (conhecida por “carta-patente”)
confirmava os nomes para capitão da Companhia das Ordenanças – as forças
políticas e sociais – a Miguel António Gonçalvez e Manuel de Toledo da Silva.
Vereadores
saíram às ruas em 10 de julho para “chamar a atenção” de Manuel Joaquim Pinto
de Arruda (juiz ordinário, equivalente a presidente da Câmara) por estar num
serviço de “roçada” causando “prejuízo por distruir as madeiras e sipós para
construção de cazas e quintaes”.
Por
política também se duelou, já que armas de fogo eram incomuns, proibidas e
restritas. No pátio da Matriz, um carpinteiro desferiu 15 golpes de espada na
cabeça e nos braços de um opositor. Os golpes só pararam quando lhe tomaram e
quebraram a espada. A vítima alegou que a ação ocorria por o agressor não
concordar com as normas de arruamento da cidade, através das quais perderia
terras.
Em
outubro, pelo nascimento de uma princesa imperial, a Câmara pede que os
moradores iluminem suas casas para bem recebe-la. Deveriam colocar lampiões,
lamparinas ou velas nas janelas. O ritual previa ainda fogueira no largo da
matriz. A Vila ficou iluminada por três dias.
O
ano de 1824 termina como começou. A preocupação com a distribuição de terrenos.
E assim foi a vida em Piracicaba 200 anos atrás. Os documentos mostram a
preocupação dos poderes constituídos com a delimitação das ruas, dos
quarteirões e das habitações.
Já
em 11 de dezembro, é pedida a demarcação de quatro paredes em uma praça para a
nova Matriz da cidade. Citação meio difícil de localizar: ficaria entre as ruas
Formosa e Alegria e passaria pela rua São Benedito que atravessa a praça. Cabe
lembrar que o arruamento ocorria pela melhor distribuição em linhas retas dos
terrenos nos quais seriam construídas casas. O trânsito ainda era feito com
tração animal: cavalos ou mulas que levavam em sua cela as pessoas em ou
carroças para transportar número maior de piracicabanos.
Finalizando,
em 18 de dezembro, os vereadores pedem matança dos porcos, pois eles viviam
pelas ruas, como os cães e gatos que vemos hoje. E assim, Piracicaba cresceu
como conhecemos hoje.
Publicado no Jornal de Piracicaba de 07 de janeiro de 2024
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