* por Edson Rontani Júnior, jornalista e amante de cães
–
Força, amigão ! Você consegue !!! – disse diversas vezes ao Pancho, um boxer
alemão com cerca de dez anos de vida. Diversas semanas antes ele se entregou
para a morte, como se sentisse a partida de meu pai e logo em seguida a ida de
sua companheira Xuxa, uma fox paulistinha que partiu devido a diversos tumores que
se alastraram por sua cadeia mamária levando metástase para todo o corpo.
Foi
assim que em agosto de 1997, o velho boxer se entregou para a morte. Um dia
antes, ainda me lembro, ele correu atrás de uma bola, brincou comigo à noite,
como se estivesse diante da felicidade. Às 18 horas do dia seguinte, ainda no
trabalho, recebo o telefonema de minha mãe dizendo que ele não estava mais
respirando. Aí terminou uma jornada iniciada dez anos antes e tomou-se uma
decisão : “não teremos mais cachorro em casa, pois eles se integram à nós e,
quando partem, deixam uma lacuna imensurável”.
Pancho
– não me lembro ao certo se foi em homenagem ao trio musical Los Panchos ou ao
Sancho Pança, fiel amigo de Don Quixote de La Mancha – uivou como nunca houvera
feito, em fevereiro daquele ano, ao “sentir” a morte de meu pai. Todos sentimos
é claro, mas animais morreram e perdemos plantas depois desta passagem,
dando-me certeza de que eles se tornam parte de nosso ambiente. Mas, seu maior
pesar, deve ter sido a partida de nossa cadelinha Xuxa que, não tendo mais que
40 centímetros impunha muito respeito ao boxer com mais de 1,60 metro. Como
cresceram juntos, viveram bons momentos como um casal de pessoas.
O
fim da vida de Xuxa foi condenado pelo veterinário que a operara duas vezes
anteriores para extirpar o câncer que atingia suas mamas talvez por nunca ter
procriado. Foi “mãe psicológica” de uma bonequinha loira de borracha. Cuidava
dela como se fosse sua filha. Enrolava-a em um pano e a levava de um lado para
outro, ficando brava quando mexíamos nela. Em abril ou maio daquele ano a
anemia obrigou-nos a tomar a decisão – como se tivéssemos este direito – a
tirar sua vida. Pancho ficou inconsolável, pois sentia a ausência de meu pai e
depois da companheira. Acordava à noite com medo ! Como pode um cachorrão assim
sentir medo ?! As portas da casa tiveram por meses as marcas de suas ranhuras
para que as portas ficassem abertas nos solicitando companhia e só dormindo com
a luz acessa. Foram três ou quatro meses de tratamento envolvendo homeopatia e
alopatia. Quantas vezes tive de sair do meio do expediente de trabalho,
carregá-lo até o veterinário para tomar soro e esperar alguma reação. Mas …
nada ! Nenhuma reação… Entregou-se à morte como um ser humano.
Os
mais céticos podem crer que muitas crianças abandonadas nas ruas deveriam ter a
atenção que damos aos cachorros. Mas … cada cabeça uma sentença.
O
francês Anatole France escreveu em 1908 que um monge chegou a uma ilha onde só
havia pinguins. Cegado pelo branco da neve confunde-os com homens, evangeliza e
os batiza. Ao saber de tamanha heresia, os Céus urdem e os anjos, santos e Deus
ouvem, durante a assembleia, a ideia de Santa Catarina : que seja concedida uma
pequena alma aos animais.
Como
disse, cada cabeça uma sentença.
Fui
criado com cães em casa desde a gestação. Sempre ouvi falar da basset Soraya
com a qual mantive contatos enquanto engatinhava. Recordo dela através de
fotos. Importante presença em minha vida foi a boxer Diana que durou 18 anos,
inteligente como ela só, adorava nadar na margem direita do Rio Piracicaba em
uma chácara próxima ao Nauti Clube Bela Vista e ficava em pé para abrir as
maçanetas da casa.
No
meio dos anos 70, Diana dividiu espaço com um coelho de nome Kiko, o qual foi
trocado pela fox paulistinha Kika, inteirinha branca com uma pinta preta nas
costas. O nome era dado a um dos quadros famosos do programa da TV Globo “O
Planeta dos Homens”, Kika e Xuxu (vivido por Agildo Ribeiro). Kika de repente
se entregou à vida por uma virose. Não andava, não comia, perdeu toda a alegria
que nos deu durante anos. E sentimos com isso.
Kika
e Diana ainda dividiram espaço com a boxer Pantera. Ainda me lembro de ter
visto um de seus irmãos, com poucos meses, no colo de sua dona que terminava de
realizar compras no Supermercado Guerra (depois Supermercado Catarinense) que
existia no cruzamento das ruas do Rosário com Prudente de Moraes. Pantera foi
ativa, brincalhona.
Se
for para contar meus anos de vida, prefiro contar pelos anos dos cães que
passaram por ela. Cada década ou fase me remonta a alegria e o companheirismo
de todos que tivemos. Ouvi dizer que o cão há mais de 10 mil anos vive dos
restos do ser humano. Se colocarmos um deles numa ilha eles morrem. Não têm o
dom de caçar, de preparar sua comida, de escolher o que é certo (lembre-se do
número de envenenamento que as estatísticas mostram).
O
homem tem o poder de se redimir diante de seus erros e por isso ficamos um
pequeno período sem esse fiel companheiro. Em 1999 adquirimos a daschound Tara
que nos presenteou com quatro filhotes, dos quais apenas a Pretinha permaneceu
com a mãe. E assim a renovação se fez presente em nossas vidas.
Morte – “É uma foquinha !” –
Disse Myrian Vendemiatti ao retirar do veterinário outra cadela importante em
minha vida, de nome Julica. Em setembro de 2003 foi vitimada por uma virose e
depois por uma hemorragia. Foi triste ver o corpo daquela cachorrinha sem raça,
branca com manchas pretas, em uma caixa de papelão sem vida com o nariz
sangrando. Ia-se ali mais uns anos de minha vida. Foi-se com ela aquela
companheira dos churrascos, seu jeito “pidão” de fazer massagem nas costas.
Mas, quando fui retira-la do veterinário, tive uma lição de vida. O mesmo tinha
cerca de dez cães e gatos abandonados. Dois cegos que pareciam saudáveis, um
sem uma das patas, um verdadeiro asilo de animais domésticos mostrando antes de
tudo que a eles não existem intempéries, e que isso é coisa de humano !
A
vida de Julica terminou no Cemitério dos Animais, situado no Bairro São Jorge,
num trabalho exemplar feito por Myriam Vendemiatti e sua filha. Animais de
todos os tipos são ali enterrados com honras e orações. Gatos, cães, roedores,
aves … Tudo ! Cada um em sua cova com nome. Cães da Polícia Militar enterrados
por terem sido baleados por criminosos. Parei. Refleti sobre a vida. Relembrei
de meu primeiro contato com um animal. Recordei o que um grande colega outro
dia me disse : “o homem é seu passado, é sua recordação”. Tive a certeza disso,
Cecílio … Meu passado é cheio de recordações. Amargas ou boas. Mas o hoje é
ação do que fiz ontem.
Agora
que me lembrei : desde o enterro de Julica nunca mais fui visitá-la. Quão tolos
somos. Mas, a vida prossegue …
Nenhum comentário:
Postar um comentário