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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Correr atrás do tempo

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Este ano poderei cumprimentar uns poucos amigos que aniversariam em 29 de fevereiro. Ironia proporcionada a cada quatro anos. Mas, por que perseguimos tanto o tempo ? Ilusório ele é. Convencionalismo que nos ensinaram a agarramos após a Revolução Industrial, que criou o dia dividido em três fases de 8 horas para trabalhar, dormir e curtir a família. Algo tão ilusório quanto falarmos que estamos no ano 2024. Não se pode negar que estamos sim, porém da Era Cristã. A história do Mundo e do ser humano é mais antiga.

A contagem do tempo é universal e não vem de hoje. Curioso é ver o espanto de um amigo de meia idade quando falei sobre rotação e translação da Terra, algo que ele, pasmo, pareceu-me não saber do que eu falava. Didática aprendida no primário, nas carteiras do Colégio Barão do Rio Branco, estes movimentos regem nosso dia (e noite). Em 24 horas a Terra realiza o movimento em seu eixo, criando a rotação. Fontes indicam que esse movimento é feito em 23 horas, 56 minutos e 4 segundos. O movimento da Terra em torno do sol é conhecido por translação e dura 365 dias, 5 horas e 48 minutos, formando o ano. À quem descobriu isso, nossas láureas. A quem ouviu isso estupefato – como meu amigo – as batatas !

Para aproveitar mais a duração do dia, com o advindo da industrialização e da criação da luz elétrica – e com ela, a vida noturna – países implantam o “horário de verão”, adiando o relógio em uma hora evitando, assim, o excesso no consumo da energia elétrica. No Brasil, a mais recente reintrodução do horário especial de verão ocorre em 1985 no governo José Sarney. Mesmo período em que houve a antecipação dos feriados. A busca do tempo era para otimizar os dias úteis. Se um feriado ocorresse numa quinta-feira ele seria empurrado para a sexta-feira, evitando emendas. O mesmo ocorria com os feriados que caíam na terça-feira : eram antecipados para a segunda. Realmente isso ocorreu no Brasil.

Mas o tempo é ilusório. E nem nos damos conta disso. Até dois milênios atrás, os anos seguiam as fases da Lua. As estações, assim, caíam em épocas diferentes. Tivemos na Roma antiga anos com 304 dias e 10 meses. Em seguida, o ano passou a ter 355 dias em 12 meses. Mas a cada dois anos era preciso um 13º mês de 22 ou 23 dias para ajustar o ciclo solar ao calendário civil. Que bananada !

Surge, então, o calendário juliano, criado com base no que os egípcios já faziam. O ano passa a ter 365 dias, 12 meses (metade com 30 dias e outra metade com 31 – com exceção de fevereiro que tinha 29). Estudiosos chegaram à conclusão que o calendário teria 11 minutos a menos. Em outubro de 1582 cria-se o calendário gregoriano (o que seguimos atualmente) anulando dez dias do calendário anterior. A lógica do ano bissexto, era de que os anos terminados em 00 só seriam os bissextos aqueles divisíveis por 400.

O nome bissexto por si é uma corruptela em latim. O imperador Júlio César haveria ordenado “ante diem bis sextum Kalendas Martias”, ou “repetir o sexto dia antes de começar o calendário de março”. Fevereiro possui 28 dias pois dois dias foram tirados pelos romanos para serem colocados em julho e agosto em homenagem aos imperadores Júlio César e César Augusto. E assim caminhou a humanidade ...

Mais estupefato fiquei eu quando, em 1995, durante passagem a Piracicaba, o ator Mário Lago foi entrevistado na Rádio Alvorada A.M. e o locutor comentou : “o senhor interpreta muito bem o papel do desembargador Veiga na novela De corpo e alma”. Eis que este dispara ferozmente ao vivo: “queria o que ? Não comecei ontem. Faço teatro desde os anos 1930 ! Não sou criança”. Silêncio geral. Mas Lago, que era filho de Antônio de Pádua Jovita Correia do Lago – nascido em Piracicaba em 13 de junho de 1887 – e possuía determinado parentesco com Manuel do Lago, proprietário do Hotel Lago, ao lado do Teatro Santo Estêvão, esculpiu a máxima : “Eu fiz um acordo com o tempo. Nem ele me persegue, nem eu fujo dele”. E passemos o tempo com cultura !

(Publicado no Jornal de Piracicaba em 21 de fevereiro de 2024 e na Tribuna Piracicabana de 24 de fevereiro de 2024)

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