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quinta-feira, 13 de junho de 2024

Dos Urupês à Noiva da Colina

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Caipira sofrido, sertanista, apático à vida das grandes cidades. Assim é um dos contos de “Urupês”, escritos por Monteiro Lobato entre 1914 e 1917. Essa era a versão do brasileiro esquecido pelo poder público, que carpia, criava porcos e pitava um cigarro de palha. “Urupês” é uma sequência de crônicas criticando o Brasil nas duas primeiras décadas do século passado. Foram publicadas no jornal “O Estado de São Paulo” e na “Revista do Brasil”. O caipira era Jeca Tatu, tema da primeira crônica intitulada exatamente “Urupês”, publicada em 23 de dezembro de 1914 no Estadão.

Urupê é um fungo que forma cogumelos em árvores. Lobato disse, certa feita, que sua mãe lhe chamava de urupê quando vadiava enquanto criança (“parece urupê de pau podre”, dizia). Urupê apresenta um Jeca Tatu descalço, com roupa maltrapilha, barba a fazer e acompanhado de um animal de estimação. Precisava se adequar à modernidade. Eis que surgem ações sanitárias contra doenças típicas do campo, estas encabeçadas pelo Instituto Adolfo Lutz, em especial para conscientizar sobre as condições sanitárias adequadas. Parênteses ... Jeca andava descalço e pisava sobre o esgoto que corria a céu aberto. Com isso, tinha fraquezas e era desmotivado. Eis que Cândido Fontoura tem ideia de promover uma cultura educativa e a venda de itens de seu laboratório Fontoura Serpe & Cia. Foca em doenças parasitárias como o amarelão. Junto ao ilustrador Belmonte, cria o manual Fontoura que alguns conheceram através do elixir Biotônico Fontoura. A cartilha teve mais de 100 milhões de exemplares impressos.

Do urupê criado na capital paulista, demos um salto a Piracicaba em junho de 1948. A cidade, assim como muitas do interior deste Brasil, ainda levava a fama de ser povoada por “caipiras”. Hoje digamos que somos, com muito orgulho, caipira ... caipiracicabanos, sim, senhor !!!

Vamos à rua São José, proximidades da praça José Bonifácio. A sociedade no final dos anos 40 circulava por ali. Espaço ideal para tudo. Clube Coronel Barbosa, Teatro São José, sede do E. C. XV de Novembro e um alto-falante que transmitia programas da Rádio Difusora. O esporte era atração nestas transmissões. Neste trecho também estava o Challet Paulista (embrião da atual Casa Raya), loja de produtos esportivos e apostas comandada por Armintos Raya. O XV estava em campanha para se tornar um time profissional. Eis que o gerente do Challet (cujo nome a história tristemente omitiu ...) decide criar um concurso de desenhos sobre as partidas do alvinegro. Aparece apenas um adolescente de 15 anos que rabisca uns desenhos agradando ao gerente que semanalmente expõe estes traços na vitrine do Challet. Detalhe, os desenhos tinham que fazer referência ao XV.

O jovem, resolve personificar um caipira como representante do XV. Cada partida disputada, um desenho. Não tinha nome este caipira. Nota-se que o caipira que representava o alvinegro tinha sua fonte inspirada no Jeca Tatu. Inicialmente até recebeu este nome: o Jeca. Bom, o XV subiu para a elite do esporte paulista. O desenho era de autoria de Edson Rontani. Rocha Netto, representante da Gazeta Esportiva, pega um destes cartazes, ruma a São Paulo, e o mostra a Thomás Manzoni, diretor do jornal. Achou as linhas mal tracejadas, sem técnicas adequadas (os desenhos eram feitos em sobras de papel a lápis). Pede uma repaginação na arte por Nino Borges, que tinha tradição em desenhar mascotes de times para figurinhas de balas e álbuns. Assim, em janeiro de 1949, a Gazeta publica o nascimento do Nhô Quim, que completa este ano seus 75 anos “oficiais”. O nome da mascote foi dado por Rocha e Thomás, como diminutivo de “sinhô” Quinze.

O Jornal de Piracicaba publica em 1952 o primeiro clichê feito por Eugênio Luiz Losso em cima de desenho de Edson Rontani, num processo caro para a época que vivia prensas tipográficas. De 1952 a 1997, quando faleceu, Rontani, desfilou o caipira por todos os jornais locais.

Teve variações não constantes sob a pena de Archimedes Dutra, Almir Bortolassi, Manolo, Nino Borges, Cardona, Messias de Mello, Orlando Pizzi e Luiz Moreira, entre outros da imprensa paulistana. Para não ser uma cópia fiel da Gazeta, o jornal O Governador mostrou nosso Nhô Quim vestido de terno preto, como um verdadeiro papa-defuntos. Com o tempo torna-se o caipira que conhecemos hoje e remete muito ao caipira “urupê” de Lobato. Um viva ao aniversariante do mês !  

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 2 de junho de 2024)

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