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quinta-feira, 27 de junho de 2024

Morrer pela bala, não pela fome

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Nascido em Mineiros do Tietê, interior de São Paulo, cidade próxima a Barra Bonita e Jaú, Leônidas Andrade Fogaça veio a Piracicaba na adolescência. Segundo seu filho, Eduval Morales Fogaça, em 1932, quando houve o início do recrutamento dos voluntários na cidade de Piracicaba para a Revolução Constitucionalista, Leônidas e seu amigo Oscarlino Assis se alistaram. Pensando que seus pais teriam orgulho, foi para casa contar o feitio. Sua mãe chorou. O pai, friamente, comento que ele “nada mais havia feito que sua obrigação”.

Embarcou de trem na Estação da Paulista, sobre os prantos do pai. Chegou a Estação da Luz em São Paulo de lá marcharam por 350 quilômetros até Queluz, leste paulista, região de Guaratinguetá. 

Uma das memórias passada ao filho demonstrou uma situação temorosa: “quando precisei usar o fuzil pela primeira vez a arma falhou, não disparou ! A bala ficou presa no cano e tive que desmontá-la para que pudesse ser útil na próxima investida”.

Edu Fogaça comenta que o pai falava sempre da escassez durante o conflito, principalmente de comida. Muitas vezes o que os voluntários dispunham era a xepa, a comida não consumida anteriormente, requentada. Leônidas e Oscarlino se voluntariaram para transportar a comida em um local próximo. Leônidas tinha um irmão que era militar graduado à época, Eliziario de Andrade Fogaça. O capitão do regimento que lhe passou a ordem de transporte salientou do perigo no trajeto, respondendo bravamente: “vim disposto a morrer por bala, não de fome”. “Meu pai fez este trabalho durante determinado tempo, o que lhe valeu uma promoção no campo de luta a tenente, por ato de bravura”, disse Edu.

“Só soube disso muitos anos depois da Revolução. Certa vez passei a notar que ele recebia pelo Correio o Diário Oficial, em cuja etiqueta vinha seu nome escrito tenente. O questionei se não havia erro pois seu irmão é quem tinha esta patente militar. Foi aí que ele me contou a história que relatei. Naquela época os ‘velhos’ eram bem mais discretos”, diz Edu Fogaça.

“Com o tempo ele passou a me dedicar atenção diante de sua experiência na Revolução de 1932. Havia dias em que o fogo da artilharia inimiga era muito intenso. Meu pai e companheiros precisavam ficar deitados no mato por um longo tempo. Certo dia, quando as rajadas pararam, meu pai disse aos amigos que aquele não seria o dia de morte de todos bravamente afirmando: ‘olhem onde eu me deitei !  Estava sem querer em cima de uma medalhinha de Nossa Senhora Aparecida... perdida... inexplicavelmente, no meio do mato”. A razão : ele era devoto de Nossa Senhora.

Leônidas, em pleno campo de batalha recebeu a informação de que sua mãe, Amélia Ferreira Fogaça (casada com João de Andrade) estava gravemente enferma. Ele dirigiu-se ao comandante solicitando autorização para viajar e visitar sua mãe. O pedido foi negado. Foi conversar com o capitão amigo do irmão, o qual lhe disse que seria difícil o comandante voltar atrás na sua decisão.

“Me alistei para matar inimigos. Mas, até agora não vi nenhum na minha frente. Quem me impedir de ver minha mãe, será meu inimigo”, disse. Depois de muita relutância, conseguiu o visto com esforço deste capitão. Como era inverno, o capitão cedeu a Leônidas seu agasalho. Até a Estação da Luz, em São Paulo, ele pensava em como chegar a Piracicaba sem um centavo no bolso. Na plataforma de embarque, um soldado lhe bateu continência. Mais para frente, outros fizeram a mesma reverência. Chega um grupo de soldados quem param à sua frente, batem continência e perguntam se poderiam lhe ajudar. Ele conta a história, recebeu uma refeição e conseguiu passagem a Piracicaba. Muito tempo depois percebeu que o agasalho que lhe fora dado em Queluz era de um capitão, com as divisas militares e ele estava, então, sendo confundido com um militar graduado. Dias depois sua mãe melhorou e ele retornou a Queluz. Contou a situação ao real capitão e riram. O oficial lhe falou que ficava feliz, pela recuperação da mãe, de protegê-lo do frio e ter contribuído para chegar a Piracicaba. Leônidas casou-se com Anna Moraes Fogaça.

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