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quinta-feira, 6 de junho de 2024

O cancelamento de Lobato

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

A história se repete constantemente. Uma mente brilhante. Um comerciante das palavras e não um escritor, como ele mesmo se identificava. Monteiro Lobato é alvo constante do cancelamento. Foi jogado à berlinda depois de ter vida e fama feitas através de seus livros. Isso ocorre em 1941 quando foi acusado pelo crime de lesa-pátria por cartas pessoais dirigidas ao presidente Getúlio Vargas. Pegou xilindró por alguns meses.

Seu pensamento eugenista e preconceituoso, que representavam a sociedade do início do século passado, provocam um novo cancelamento endossado inclusive por uma de suas bisnetas que tem tentado reescrever suas obras para a geração atual.

Lobato deixou seu legado. Fez de tudo: crônicas, críticas, poesias, livros de ficção ... E ocupou todos os veículos disponíveis em sua época: cartas, jornais, livros ... É inegável sua contribuição para a história e cultura ao longo de seus 66 anos de vida.

Lobato passou por nossas vizinhanças. Em São Pedro, iniciou uma longa jornada pela qual hoje é esquecido. Lá, ele perfurou a terra na intenção de encontrar petróleo. Com a criação, em 1931 da Companhia Petróleos do Brasil, acreditava que o combustível fóssil jorraria do chão no interior paulista. Passou a perfurar no bairro de Araquá (São Pedro) e no distrito de Riacho Doce (Alagoas). Nunca encontrou petróleo. Gastou toda a riqueza acumulada com seus livros e foi perseguido como agitador social pelo governo Getúlio Vargas. Chegou a visitar Piracicaba por volta de 1907, referindo-se à cidade em carta escrita em março daquele ano, quando assumiu o cargo de promotor público em Areias, no Vale do Paraíba.

Existem registros de que Lobato tenha feito pesquisas e prospecções na divisa norte do município de São Pedro com Charqueada (Xarqueada, no início do século passado), em área que hoje pertence a Águas de São Pedro compradas por Moura Andrade para implantação desta nova cidade. Porém, os passos iniciais não foram feitos por ele e sim pelo Serviço Geológico da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, cujo governador então era Júlio Prestes e o secretário de agricultura era Fernando Costa. Lobato seguiria os passos em busca do petróleo iniciados pelo italiano Ângelo Ballone que perfurou dois poços os quais chegaram a 1.615 metros, bem além das perfurações de Lobato.

Águas de São Pedro, se hoje tem a fama por suas águas medicinais, deve grande parte à estes pesquisadores. No início do século passado, quando a região passou a ser ocupada por fazendeiros, um determinado trecho de São Pedro apresentava forte cheiro similar ao querosene, que emanava de suas terras. O Bairro do Querosene, que então abrigava a fazenda de Ângelo Franzin, depois comprada por Octávio Moura Andrade para a instalação da estância de Águas de São Pedro, despertou a curiosidade de muitos investidores inclusive o governo federal.

Entre 1915 e 1931 foram feitas diversas análises do material recolhido nos ribeirões de Araquá e Tuncum. Mas não passou disso. Os governos estadual e federal não se empenharam em aprofundar as pesquisas e apenas com a intromissão de iniciativas particulares é que a situação mudou.

Lobato criou a Companhia Petróleos do Brasil devido à forte influência que possuía na sociedade. Buscava investidores prometendo-lhes fortunas. Agregou valores diante de poderosos principalmente ao lançar ações de sua empresa na Bolsa de Valores. Em apenas quatro dias, vendeu metade das ações disponíveis. Chegou a declarar na época que, após o petróleo, a indústria do ferro seria sua futura investida. Um ano depois incorporou a Companhia Petróleo Nacional e em 1936 fundou a terceira sua última empresa mineradora, a Companhia Matro-Grossense de Petróleo. 

No Poço Tuncun, quando chegou-se à uma prospecção de 314 metros, foi recolhida a quantidade de 20 litros de petróleo. Os ânimos ficam mais fervorosos. Chega-se a uma escalada de 758 metros terra abaixo. Encontraram-se várias camadas de terra impregnada à óleo. Em setembro de 1928, encontrou-se a presença de petróleo com base parafínica de cor verde. Não se sabe porque, mas o poço foi tapado e abandonado.

Lobato acabou com sua fortuna nesta tentativa de mostrar que “o petróleo é nosso”. E a história mais um vez foi cancelada.

(Publicado na Tribuna Piracicabana de 07 de junho de 2024)

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