Edson Rontani Júnior, jornalista e cinéfilo
O
sonho da infância, alimentado pela juventude, corroído pelo tempo e findado com
a morte. Isso tudo desde o big bang até a atualidade, passando pelos
dinossauros, o cometa que destruiu a Terra, a era do gelo, a dominação dos
Estados Unidos e conclusão em 2024. Tudo isso em mera 1 hora e 40 minutos sob a
ótica de Robert Zemeckis no filme “Aqui”. Uma produção que não deve ser deixada
de lado.
O
autor quis recriar “Forrest Gump – O Contador de História”, utilizando,
inclusive parte de seu elenco deste, que nasce, fica jovem e termina na velhice
com ajuda da inteligência artificial. Estranhei muito que o filme tenha ficado
poucos dias – poucos mesmo –, pois só o vi anunciado tarde da noite de novembro
numa sexta-feira em uma das salas do Shopping Piracicaba.
A
produção cinematográfica não dá detalhes de todas essas passagens descritas anteriormente.
Não é um filme sobre os milhões de ano da existência da Terra. Ela
centraliza-se num ponto da terra e da tela, com uma câmera estática com idas e
voltas no tempo, desde a construção da casa em 1900 até a atualidade. Em
relances mostra tempos anteriores, como povos indígenas que habitaram os
Estados Unidos antes da colonização holandesa e britânica. Tudo usado para
mostrar o quanto a vida é reles e frágil. Em pouco mais de uma hora,
nascimentos, doenças e mortes. Ciclos naturais da vida, permeados por festas,
felicidades, tristezas, boas e más notícias. Rotina pura, mas muito bem
elaborada.
É
um filme para se assistir e, após o seu fim, voltar ao início para ver
elementos que na introdução passam despercebidos, mas que são peças
fundamentais no seu desenrolar. Assim como toca em assuntos rotineiros que são
fúteis para nós, mas mandam seu recado. Em 124 anos de história, lembra
passagens essenciais para a humanidade como a gripe espanhola (no velório do
aviador), do crescimento de casos de AVC, do mal de Alzheimer e da covid.
Introduz elementos contemporâneos como a hispânica que atua como doméstica na
casa dos habitantes atuais e repentinamente perde o olfato. Em seguida a
família recebe a notícia de sua morte. A covid marca presença sem ser citada.
Ou ainda o jovem negro que acaba de tirar sua carteira de habilitação e seu pai
lhe explica detalhe por detalhe de como agir se um dia for parado por um
policial branco, dizendo como proceder durante a abordagem e “agradecer por
aquele policial ter tomado seu café naquele dia”. Reflexo de uma sociedade que
busca sua identidade.
A
reflexão que o filme nos traz é sobre o conteúdo de nossas vidas. Passadas
sempre no mesmo local, com tristeza e alegrias, mas que muitas vezes não damos
a devida importância aos fatos ou às pessoas. As transformações social e mental
mexem com qualquer um.
Zemeckis
tem uma sequência de obras bem pontuadas. Amigo de Steven Spielberg, fez
memoráveis longas metragens como a trilogia “De Volta Para o Futuro”, “Expresso
Polar”, “Náufrago” e “A Morte Lhe Cai Bem”. Com “Aqui” não teve boa
receptividade. Seu faturamento atingiu três vezes dos 15 milhões de dólares
investidos. Não que seu estilo já esteja no fim. É que a indústria
cinematográfica busca novos conceitos e tem o poder de queimar ou fazer um
filme virar sucesso. O quinto Indiana Jones ficou poucas semanas em cartaz,
eclipsado por “Oppenheimer” e “Barbie”. Tentaram fazê-lo faturar no streaming.
Mesma situação de “Aqui”, que pode ser visto nas principais plataformas.
A
nova produção do diretor Robert Zemeckis é para ser assistida com uma caixa de
lenços ao lado. Faz a cabeça virar em parafuso. Foi baseada em uma história em
quadrinhos de Richard McGuire lançada no final da década de 2000. Se você sentiu
sono ao assisti-lo, tenha certeza ... você não está sabendo ligar as
referências. Mostra um triste ciclo da vida pelo qual “ainda estamos aqui”.