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quarta-feira, 11 de junho de 2025

Conversa com a intelectualidade

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Chego, abro a porta e acendo a luz. Vejo longinquamente uma cadeira. Ótimo. Uma mesa grande cheia de quinquilharia. Terei de dividir a mesa com coisas que não deveriam estar ali. Mas, estão ! Assim, o espaço se torna restrito. Porém, isso não me afeta. O foco não é este.

Assento-me não muito confortavelmente, pois a tarefa me obriga a constantemente levantar-me, pegar um punhado de papéis velhos e seguir com meu prazer solitário (no bom sentido). A rinite acaba de ser acionada. Corro ao banheiro para assoar as narinas. Talvez usar uma máscara. Mas lembro-me do incômodo que era a máscara facial durante o auge da pandemia da covid. Hoje, parece que ela me sufoca. Tira minha respiração em sua totalidade. Querendo enganar não sei quem, coloco a mesma sobre parte das minhas narinas para que a respiração ocorra na “maior” normalidade, tampando por completo a boca. Mas o foco não era este.

Na sala que abriga o acervo material do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba olho para minha missão: catalogar pastas e mais pastas doadas por pessoas e famílias. Penso: papel velho ? Não ! História ! Nestas sulfites pautadas e escritas de forma datilográfica estão os intelectos de muitos. Estão vidas, alegrias, sofrimentos e muito conhecimento de vida. Além do tangível, os jornais e a papelada velha trazem uma história não mensurável de riquíssimo conteúdo individual ou social.

Um café cairia bem, penso. Mas, me alimento da informação, do anseio em saber como foi a vida de alguém, como num big brother que tem o prazer em espionar e interpretar as linhas de diários, de artigos em jornais, de pensamentos profundos de outrora. Mas, peralá ! Outrora ? Isso foi escrito em 1970 ! Você já parou para pensar que são 50 anos atrás ? Parece que envelhecemos mas nossa cabeça não acompanhou o processo do envelhecimento físico. A cabeça entra em parafuso. Paro com tudo.

Ao parar com pensamentos que me levam à depressão e me colocam em conflito com meu foco, paro com tudo por instantes. Não sei se caio no cochilo. Mas, num piscar de olhos, vejo ou percebo alguém sentado ao meu lado. Eu e esta figura ficamos calados numa simbiose inimaginável. Não é possível. Já vi esta figura em fotografias lá de 1920 assinadas por J. Cozzo, ou como membro de uma banda chamada Jazz Band Mozart Piracicaba. Tocou com Erothides de Campos nos cinemas na época dos filmes mudos. Nem pestanejo, pois tinha certo que o vulto presente era Leandro Guerrini. Como, assim ? Estava sonhando ou colhendo um pouco de sua vida ? Claro ! O vi consultando no passado as folhas da Gazeta de Piracicaba e no curioso Almanak de Piracicaba para 1900. Ele conta sobre a forca em Piracicaba, o pelourinho como fundamento de justiça para uma Piracicaba do século retrasado. Pirei, pensei. Vendo vultos que nem conheci mas que admiro pelas leituras que tenho. Uma espécie de dejá-vu se apossa de mim. Dou uma chacoalhada na face tentando acordar, num sentimento de que fosse eu um Ebenezer Scrooge que vê o passado circular em sua frente.

Esse cara está doido, alguns pensarão. Mas existem ícones locais que nos fazem ou fizeram viajar, colaborando para uma impressão intimista do que se imagina do passado. Alguns pensarão que tudo é besteira. Fulano era um “zé ninguém” e não merece tanto destaque assim. Mas, por ser um artigo assinado e assim expressar minha opinião pessoal, reservo-me ao direito de vasculhar aquilo que me foi importante no passado.

Desta forma, ainda sentado, com celular na mão fotografando uma página aqui e ali de jornais antigos, passam pela minha imaginação pessoas como Jair Toledo Veiga, Hugo Pedro Carradore, Waldemar Iglésias, Mario Neme e outros nomes os  quais não recorro agora. Muita informação em pouco tempo.

Acabo me levantando vendo no chão pedaços de jornais que amarelaram no físico, mas que na mente continuam como sendo do dia de ontem. Resta apenas a incógnita de que no futuro não serei eu um destes fantasmas que habitam o imaginário coletivo de Piracicaba.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 10 de junho de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 13 de junho de 2025)


quinta-feira, 5 de junho de 2025

No mundo da lua

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Ela já foi cortejada por muita gente, mas continua lá. Por mais que o ser humano tenha nela pisado, ainda é um objeto de obsessão e desejo. Foi cantada por poetas ao longo de vários milênios. A Lua é tão distante e tão próxima da Terra que ainda instiga a ciência e os corações apaixonados.

Aliás, foi um galante Cary Grant ou James Stewart que prometeu laçar a lua para sua namorada num filme do sempre impecável ítalo-americano Frank Capra. No cinema ela inspirou até James Bond e o vilão Gru que a reduziu, trancafiando o satélite natural em sua casa misteriosa. Mas, qual sua influência ? No passado era a guia para as marés, para as plantações e – acho que ainda hoje – serve para agendarmos a visita ao cabelereiro ou barbeiro.

Glenn Miller imortalizou seus vistosos raios romantizados por nós, terráqueos, em 1939 através de sua “Moonlight Serenade”, composição que ele próprio fez com Mitchell Parish. Vira e mexe, a serenata ao luar retorna em novas releituras e volta ao topo das execuções musicais. Pena que Miller não pôde nunca mais pode ver a Lua, já que repousa no fundo das águas devido à queda de seu avião na viagem que ele fazia da Grã-Bretanha para Paris durante a Segunda Guerra Mundial. Triste história para quem fez uma elegia para um dos mais belos fenômenos da natureza.

A Lua também foi motivo de briga política entre as grandes potências internacionais. Era o ponto de chegada dos humanos caso uma guerra nuclear viesse a ser desencadeada, conforme grande corrente dos anos 1950 e 60. Ou você tinha um bunker em casa para enfrentar a radiação ou partia para a Lua na tentativa de colonizá-la como tivemos na Guerra Fria com americanos e russos enviado ao espaço símios e cães, e depois homens. Não deu certo. Tivemos que continuar vivendo em solo terrestre cantando e versejando sobre os raios lunares. Agora por que “lunar” se falamos “lua”? Coisa de nossa língua que sofre forte influência do latim, do grego, do árabe ... É algo como freio e frenagem.

Nossa tão cansada MPB também elegeu a lua para grandes hits. Raul Seixas se enamorou por ela louvando São Jorge montado num jumento. Aliás, foi no dragão que São Jorge combatia que Monteiro Lobato se inspirou para criar sua Cuca que marcava presença em seu Sítio. Guilherme Arantes estava no mundo da lua em “No lindo balão azul”, alegando que era cientista e vivia num papo futurista.

Eis o xis da questão. Devaneios, pensamentos distantes, fases de num namoro ou paixão sempre são interrompidos com um “ei ! tá no mundo a Lua?”. O distanciamento nos coloca em solo lunático.

Porém, a história demonstra outra situação já que “viver no mundo da Lua” veio dos pensamentos pré Revolução Industrial de alguns ingleses não muito bem vistos pela sociedade de então. Os membros da “Sociedade Lunar de Birmingham”, cidade da Inglaterra, eram considerados extremos malucos pois pensavam em criar veículos movidos a motor automáticos e não por animais, ou, ainda, fazer um balão voar pelos ares manuseado por um ser humano. Parecia a mais profunda verve da imaginação de Jules Verne. Mas, não era. Foram eles os criadores dos protótipos do veículo e do avião. Só que ninguém os entendia. A “Sociedade” queria criar melhores condições de vida para a humanidade. Ciência não existia e dogmas religiosos eram contra boa parte das inovações benéficas para a humanidade. A igreja demonizou a criação de garfos por possuímos pinças naturais conhecidas por dedos. O tempo demonstrou que o pensamento de gente que se encontra hoje nos anais da ciência mundial tenderia a prevalecer melhorando nossa vida. Entre os membros da “Sociedade Lunar”, aqueles que viviam com a cabeça na Lua, estavam Erasmus Darwin (avô de Charles), Joseph Priestley (que descobriu o oxigênio – chegando a misturá-lo à água) e James Watt (criador da bomba de combustão que drenava água para minas de carvão depois utilizada em locomotiva e veículos).

Resumindo, se alguém lhe falar que você está no mundo da Lua. Tenha orgulho. As grandes invenções surgiram das mentes de lunáticos.


quinta-feira, 29 de maio de 2025

Imprensa local

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Ainda evocando a mídia local, vários nomes surgem. Muitos deles são dos impressos, tal qual das pessoas que fizeram a arte da escrita diária na Noiva da Colina. Universo estritamente masculino por muito tempo, relembraremos alguns profissionais que escreveram nossa história dia a dia. Outros conduziram a imprensa como diretores ou proprietários. Aliás, rica é a história de Piracicaba contada na época do Império através das páginas da Gazeta de Piracicaba que surgiu em 1882 e até o final do século narrou a rotina local, sendo fonte de pesquisa para os Almanaks posteriores assim como para historiadores como Mário Neme, Leandro Guerrini, Guilherme Vitti e tantos outros aos quais Piracicaba deve se render por ter viva esta tão longínqua memória.

“Piracicaba”, pelos registros existentes, foi o primeiro jornal local. Totalmente precário – era escrito a mão – com textos de Brasílio Machado que aguça a curiosidade de qualquer um para saber como ele enxergava a sociedade no ano de 1874 quando lançou o periódico em 4 de julho. Assim como outros jornais, circulava de quarta e sábado, cobrindo os fatos semanais. Curioso é ver que esta periodicidade reinou na cidade quase até os anos 1940. Quem sabe Piracicaba fosse pacata demais e as notícias não circulavam como na atualidade...

A Gazeta teve como proprietário Mário Arantes, renomado professor do ensino elementar. Antes dele, na sua primeira circulação em 10 de junho de 1882, seus responsáveis foram Vitalino Ferraz do Amaral e José Gomes Xavier. Ferraz era conhecido por seus discursos inflamados sendo orador na inauguração da água encanada e na comemoração pela proclamação da República.

Outro professor de renome nacional foi Alceu Maynard Araújo que por muitas vezes utilizou-se do pseudônimo Almayara, numa corruptela das iniciais de seu nome. Recentemente, a Cinemateca Brasileira resgatou uma obra sua, não impressa, e sim um documentário em celuloide que mostra as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste brasileiro. Foi um expositor exemplar das culturas e do folclore interioranos.

Dias atrás, aqui nestas páginas, foi escrito sobre o vínculo de piracicabanos com Monteiro Lobato, grande inteligência deste país. Pedro Ferraz do Amaral foi um destes nativos que partiu para a capital atuando como secretário de redação nos anos de 1923 e 1924 da “Revista do Brasil”, importante produção de Lobato em parceria com Breno Ferraz do Amaral (seu irmão). Pedro também atuou na imprensa paulistana em “A Tarde”, “Correio Paulistano”, “Gazeta”, “Diário da Noite” e “Diário Nacional”. Breno do Amaral foi levado à capital pelo amigo Léo Vaz. Aqui em Piracicaba ambos assinaram o semanário “A Noiva da Colina”. Na capital atuou no “Estado de S. Paulo”, “Diário Nacional” e “Correio de S. Paulo”.

Se houve quem fazia a matéria-prima do jornalismo, existiu também aquele grupo que colocava palavras e pensamentos no físico, o tangível jornal, ou a revista ou ainda o livro. Um destes que por toda a vida dedicou-se ao texto impresso foi Fernando Aloisi, falecido em 1965. Deixou uma herança ainda viva em muitas hemerotecas e bibliotecas. A Tipografia Aloisi publicou os principais trabalhos dos grandes pensadores locais. Aloisi esteve na fundação do jornal “O Momento” e também no segundo “Diário de Piracicaba”, 1935.

Nas páginas dos matutinos, “Piracicaba não é cidade morta” nominou uma coluna publicada no “Jornal de Piracicaba” por Silvio de Aguiar Souza, pela alcunha de Antônio Calixto. Ironia ácida sobre a sociedade local com direito a colocar o dedo na ferida. Seu pai, Osório Dias de Aguiar e Sousa lhe inspirou a verve jornalística. Este, por sua vez, colaborou com jornais locais e de Capivari, onde nasceu. Escrevia sob o pseudônimo Orênio Sabaúna. Além da escrita de extensa criação de poesias e artigos, foi jurista e juiz de direito em várias cidades interioranas. Rica história.

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Imprensa

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

A imprensa local sempre foi fonte de informação e credibilidade. Esta velha imprensa está completando 225 anos. Pelo menos é o que se pode afirmar com base em testemunho dos anos 1970 dado por Jair Toledo Veiga que, na ocasião, disse ter encontrado jornais do início do século 1800. Eram rústicos, escritos a mão, com poucas cópias e entregues aos letrados. Na redação, o depois senador Vergueiro fazia críticas à sociedade que possuía menos de 2 mil habitantes.

Cravado na história ficou o semanário “O Piracicabano”, cujas algumas edições podem ser consultadas online na Biblioteca Nacional. O coronel Joaquim Moreira Coelho era seu proprietário. Respirava ares da monarquia entre 1876 e 1885, mas tinha seu viés crítico contra quem estivesse no poder. Coelho também imprimiu “Lavrador Paulista” a partir de janeiro de 1888.

“O Diário da Manhã” foi outro representante da imprensa noivacolinense, porém, com vida curta, já que circulou de 1928 a 1930. São raras as edições existentes ainda hoje deste veículo mantido por Ernani (Leite do Canto) Braga. Embora formado em farmácia, exercia o jornalismo de forma legal, pois não havia na época estudo acadêmico para isso. Deixou artigos e poesias publicados principalmente no “Jornal de Piracicaba”.

Das prensas locais, conterrâneos também se destacam nos jornais além rio Piracicaba no auge do jornalismo (antes do rádio e da TV). Otacílio Silveira de Barros fez parte de “O Estado de S. Paulo” atuando na época de Monteiro Lobato. Leonel Vaz de Barros ou Léo Vaz também trabalhou neste jornal paulistano. Porém, lá por 1911, deixou suas pegadas em Piracicaba com o semanário “Noiva da Colina”. Foi na cidade de São Paulo que participou da criação da “Folha da Noite” em 1921 e do “Diário da Noite” em 1925. Na época, os jornais chegavam aos leitores no período da manhã. Para atualizá-los mais rapidamente, em todo o país pipocaram jornais a tarde ou a noite. Léo Vaz conheceu Monteiro Lobato e juntos atuaram na “Revista do Brasil”, hoje um ícone da imprensa que reuniu os principais pensadores brasileiros dos anos 1920. Vaz foi supervisor da revista de Lobato.

Bento de Arruda, nascido em Piracicaba, partiu para São Paulo onde também se associou a Monteiro Lobato. Foi na sua editora que ele publicou, em 1924, o livro “Por campos e vales”. Era amantes de plantas e caças. Colaborou como a “Revista do Brasil” e a revista “Chácaras e Quintais”, dois grandes sucessos entre os anos 1920 e 1950.

Um importante jornal local esquecido pelo tempo foi “O Momento” que teve seu peso na balança enquanto circularam o “Jornal de Piracicaba” e a “Gazeta de Piracicaba”. Um de seus proprietários foi Moacyr Amaral dos Santos, de 1931 a 1936, que chegou a ser juiz do Supremo Tribunal Federal nos anos 1960. Neste matutino também escrevia Haruni Al Rachid, pseudônimo utilizado por Elias Barreto, jornalista e escritor que atuou no Jornal de Piracicaba e em Limeira.

A imprensa local também foi trampolim para muitas carreiras políticas. Antonio de Moraes Barros foi redator da “Gazeta de Piracicaba” na década de 1890. Formado em direito, exerceu quatro legislaturas como deputado estadual além de deputado federal. Era sobrinho de Prudente de Moraes.

Cada exemplar, uma voz. Por isso surgiam vários títulos na cidade. Jornais, como expressado anteriormente, sempre foram fonte de credibilidade da sociedade. Neste pensamento, surgiu “O Popular”, que circulou de agosto de 1899 a fevereiro de 1890. José Gomes Xavier de Assis era seu proprietário. Criou-o quando estava na “Gazeta de Piracicaba”, auxiliado por Vitalino Ferraz do Amaral em sua manutenção. “O Popular” tinha como proprietário o Barão de Rezende e na sua tônica, pensamentos monarquistas.

Samuel Pfromm Neto nos ensina que o “Diário de Piracicaba” surgiu na cidade em janeiro de 1935 circulando até maio do ano seguinte. Estavam no comando Jacob Diehl Neto, Octaviano de Assis e Fernando Aloisi. Linotipos e prensas rodaram soltos na cidade. Afinal, são mais de dois séculos de história.  

quinta-feira, 15 de maio de 2025

Eu, gênio

Edson Rontani Júnior, jornalista e cinéfilo 

Temente a Deus e com vontade de dormir. Duas condições humanas assumidas por um gênio no filme “Era Uma Vez Um Gênio” (2022). Nesta produção hollywoodiana vemos um George Miller menos comercial, muito intimista, e buscando suas raízes. O australiano de 80 anos consegue colocar nossa cabeça em parafuso ao abordar o tema de um Aladim em tempos atuais. Vai além das concepções profundas do amor, do desejo e da desilusão pregadas por Jung ou Freud.

Miller deu umas derrapadas em sua carreira para o bom amante do cinema, mas que renderam ótimas bilheterias, como “Babe” e “Happy Feet”, filmes para família ou infantis. Começou com uma carreira promissora com a franquia Mad Max em 1979. Era visto como um inovador da sétima arte nos anos 1980.

“Era Uma Vez Um Gênio” não é um estrondo comercial nem um filme feliz. Joga para a atualidade a solidão de um gênio enclausurado diversas vezes em uma garrafa, lamparina ou vidro de perfume por tentar entender o universo feminino ou interferir no mundo das mulheres. Cria-se dó ao assistir à produção, que, como grande estraga-prazeres, digo que termina com final feliz.

Os gênios tiveram vida promissora no ocidente a partir dos anos 1700 quando foram compiladas diversas histórias populares presentes no oriente médio desde os anos 800. Era um folclore riquíssimo que nunca havia sido colocado no papel. Quem contava um conto, colocava um ponto a mais. No dito popular, chegou aos dias de hoje uma conjunção de dramas, comédias, aventuras, romances e tudo mais que no início servia de moral aos costumes sociais. Foi aí que surgem os volumes de “Os contos das mil e uma noites”. Difícil é dizer como Sherazade sobreviveu sendo que os contos chegam a 300 deles o que não daria para completar a quantidade de noites propostas no título.

Muitos contos foram ouvidos na Síria pelo francês Antoine Galland que via nesta história um sucesso maior do que a sociedade europeia consumia nos livros, então um mercado promissor para a imaginação e o entretenimento. A matriz veio do livro Hazār afsāna, ou “Mil contos” no idioma persa. As “Mil e Uma Noites” foi uma coletânea que envolveu árabes, turcos, franceses e sírios.

Galland notou que as veia inspiradora estava se esgotando e incluiu fábulas chinesas como as histórias de gênios. Aladin, portanto, veio da China. No original, o Aladin trazia dois gênios, um preso num anel e outro preso numa lamparina. Gênio vem da palavra jinn (descobriu o porquê da série Jeannie é um Gênio?). Jinns são entidades protetoras presentes em religiões, mas que povoaram o imaginário coletivo como anjos da guarda e realizadores de desejos ocultos. Estiveram na TV e no cinema através da Disney, Hanna-Barbera, Barbara Eden e outros. Eram gênios bons.

É nesta tônica que George Miller envolveu Tilda Swinton e Idris Elba, artistas que formam o elenco principal. Ela, desiludida por um amor não correspondido. Ele, desiludido por ter se dedicado a amores que não geraram frutos e o aprisionaram. Tiraram sua liberdade e o direito de uma vida digna. Um encontra o ombro amigo no outro. Detalham histórias míticas – afinal é um filme de gênios! – envolvendo o expectador até o final.

Crises existenciais fazem deste um filme maduro na carreira de Miller que, nas duas décadas passadas lutou e conseguiu levar pessoas aos cinemas vendo crescer a bilheteria de suas produções, e agora busca seu espaço no mundo do streaming onde determinados filmes podem ser assistidos gratuitamente. Uma fábula do cinema na qual não existe gênio que consiga transpor pessoas nos assentos do cinema e grana no bolso dos produtores. Vale o escapismo.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 14 de maio de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 17 de maio de 2025)

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Contadores de história

Edson Rontani Júnior, jornalista e cinéfilo 

Versão: seu ponto de vista ou modo de contar o que assimilou sobre determinado conteúdo. Assim Walt Disney fez com “Branca de Neve e os Sete Anões”, de 1937, o primeiro longa-metragem da empresa, feito com tecnologia inovadora à época. Disney adaptou à sua moda a versão clássica de um conto popular. A obra motivou “O Mágico de Oz”, em 1939, pela Warner Bros. Também inovador. Em desenho, carne e osso ou live-action, são versões de contos folclóricos, autorais ou não.

Os Estúdios Disney retornam agora com a franquia das princesas dirigida por Mark Webb a qual teve estreia nacional em março passado. Evite comparações. Assim como os desenhos animados de grande sucesso no passado repaginados como “Rei Leão”, “A Pequena Sereia” ou “Aladim”. O jeito de pensar mudou nas últimas décadas e com isso inovações são necessárias como a inclusão de gêneros sexuais ou empoderamento feminino, ou ainda aversão ao tabaco e a luta na preservação do meio-ambiente.

Branca de Neve era um conto com sua versão original propagada de geração em geração na Europa. Um conto para adultos, aliás. Assim como boa parte dos atuais contos infantis. Você já leu o original de Chapeuzinho Vermelho? Arrepia qualquer um! Já a Branca tem situações aversas à ilusão criada por Disney. Dormia com um dos anões. Não foi salva pelo beijo de um príncipe, que, diga-se, a despertou ocasionalmente quando carregava seu caixão, tropeçando e fazendo, diante da queda, com que ela cuspisse o miolo da maçã que havia comido e entalado em sua garganta.

A nova Branca de Neve da Disney tem pontuações atuais. Branca de Neve sonha em liderar o povo no condado em que vive. Não pregando guerra e sim bondade e generosidade, como fizeram seus pais. O príncipe encantado é trocado por um serviçal do rei que a denuncia quando está roubando mantimentos do castelo real. Os anões também foram adaptados ao politicamente correto contemporâneo: não são anões pois isso geraria apologia ao nanismo. Possuem a mesma altura da Branca de Neve e são descritos como criaturas mágicas com mais de 1/4 de milênio de vida.

As histórias originais nunca foram criadas para acolher corações frágeis. O escapismo é uma alternativa criada pelo cinema como forma de arrecadar bilheteria, através do tal “final feliz”. Contos clássicos foram feitos para assustar os adultos com moral de punição, barbárie social e assim vai.

O cinema prepara a terceira versão Disney – não feita por este estúdio – com tons de horrores. Alladin começa a ser filmado em maio por Charley McDougall. Anteriormente, Ursinho Pooh e Mickey arrepiaram os amantes da sétima arte. Ninguém gostou, claro.

Mas, de onde surgiram essas versões? Os contos da mil e uma noites tem sua origem no Oriente Médio, mas foi somente lá por 1700 que alguém os colheu e publicou numa única produção impressa. Isso graças à prensa criada por Gutenberg lá por volta de 1450. Agora era possível tirar várias cópias de documentos. Era um trabalhão. Mas a matriz era propagada e perpetuada concorrendo com a língua viva.

Foi neste pensamento comercial que surgiram iniciativas como a do francês Antoine Galland que compilou histórias coloquiais árabes como os Contos da Mil e Uma Noites. Não que a cultura árabe detenha o original de certas obras, isso por que na Índia já eram contadas essas histórias, por longos séculos.

Charles Perrault, outro francês, no final do século 1600 teve ideia idêntica e criou o livro “Contos dos tempos passados”, um estrondoso sucesso com Bela Adormecida, O Gato de Botas, Cinderela e outros que caíram no gosto popular.

Já os irmãos Grimm – Jacob e Wilhelm, linguistas alemães, registraram as principais fábulas infantis que conhecemos por livros, revistas ou pelo cinema, utilizando inclusive os originais de Perrault. De originalidade, nenhuma. Colocaram no papel aquilo que era falado no dia a dia, vindo de povos antigos como os indígenas. E, como contaram um conto, acabaram sempre aumentando um ponto. E tire assim, sua melhor versão do que você assimila.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 1º de maio de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 10 de maio de 2025)


quinta-feira, 1 de maio de 2025

Prensas

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Em busca de homens honestos, Diógenes saía pelas ruas empunhando uma lanterna. O filósofo grego viveu 400 anos antes de Cristo. Perambulava pelas e morava nas ruas. Suas ideias não eram bem aceitas pela sociedade, a qual considerava corrupta. A mesma o condenava ser lelé da cuca por procurar gente honesta, numa crítica aos regimes políticos.

A imprensa local também buscou encontrar os honestos. Porém, um dos jornais tendia no maior estilo non sense já visto em Piracicaba. Um jornal que tinha como redator responsável um tal de King Kong não era bem o que o leitor esperava e muito menos inspirava credibilidade. Mas assim foi o semanário “A Lanterna de Diógenes”, publicado no início dos anos 1930. O responsável era Ângelo Sangirardi, membro por quase duas décadas antes do Instituto Histórico de São Paulo. Este é um dos jornais que guardo a sete chaves, tendo-o recebido de meu pai. Nele estão exemplos esquecidos da grande imprensa, seja pela crítica feroz assim como o jornalismo sem qualquer pretensão informativa.

“A Lanterna” foi um jornal satírico ou como estampava sua capa “órgão de caráter piadístico e espinafrativo”. Sua organização era apresentada por pseudônimos como Conselheiro Espinafre ou o Espadachim das Arcadas. A crítica era ao jeito das pessoas e seus costumes citando nomes irreais mas que lembravam a sociedade como Sebastião Solene (para Sebastião Nogueira de Lima, delegado), Lauro Capilé (para Lauro Catulé de Almeida, professor e vereador), entre outros.

À época, a sociedade não entendia bem esse mise-en-cène das prensas locais. Mas a coisa pegou como sátira numa época de repressão pela Revolução de 1930 e logo em seguida pela censura imposta na Revolução Constitucionalista. Isso se torna evidente pois desfilavam pelas páginas da “Lanterna” patrocínios de empresa renomadas como A Porta Larga, Casa Pernambucanas, macarrão Aurora, Gatti Relojoaria e os advogados Jacob Diehl Netto e Moacir Amaral dos Santos (ministro do STF).

O estilo ácido e irônico era seguido através dos AlMANHAques (A Manha era uma corruptela do jornal A Manhã) do Barão de Itararé, o jornalista Apparício de Torelly que possuía uma tremenda criatividade numa época em que as prensas ainda viviam da linotipia e somente muitos anos depois renderam-se ao past-up. Um humor que nos anos 1980 foi sugado pela TV Pirata na Rede Globo e pelos jornais Casseta Popular e Diário Planeta, que se fundiram e na TV renderam o Casseta Planeta.

Mas as prensas locais tiveram muitos expoentes que são esquecidos dos estudos acadêmicos. Um destes foi João Gomes de Escobar que montou uma tipografia (Popular) na cidade na segunda metade do século 1800. Foi ele o autor do segundo jornal publicado na cidade intitulado “O Piracicaba” cuja primeira edição circulou em 1° e março de 1876. Ao contrário de “A Lanterna”, as produções de Escobar eram bem mais sérias. Ela professor e poeta e “agitador” social com ideias avançadas. “Palavras de Deus” foi outro jornal sob sua responsabilidade, servindo de porta voz para os protestantes locais. Também dirigiu “A Democracia” (1878), um libelo contra a monarquia e foi redator de “A Alvorada” (1880) com críticas à sociedade de então. 

Décadas depois, mais precisamente nos anos 1970 tivemos a revista Aldeia que, de forma suave, pretendia ser o Pasquim da terrinha. Muito bem feito e conduzido, merecedor de um destaque futuro. Com vida curta mas com marcas deixadas, O Jornal do Povo Piracicabano também contestava a sociedade e a política. Deixou uma história que nos faz repensar e reestudar as prensas locais.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 27 de abril de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 3 de maio de 2025)


segunda-feira, 7 de abril de 2025

Ainda estamos aqui

 Edson Rontani Júnior, jornalista e cinéfilo

O sonho da infância, alimentado pela juventude, corroído pelo tempo e findado com a morte. Isso tudo desde o big bang até a atualidade, passando pelos dinossauros, o cometa que destruiu a Terra, a era do gelo, a dominação dos Estados Unidos e conclusão em 2024. Tudo isso em mera 1 hora e 40 minutos sob a ótica de Robert Zemeckis no filme “Aqui”. Uma produção que não deve ser deixada de lado.

O autor quis recriar “Forrest Gump – O Contador de História”, utilizando, inclusive parte de seu elenco deste, que nasce, fica jovem e termina na velhice com ajuda da inteligência artificial. Estranhei muito que o filme tenha ficado poucos dias – poucos mesmo –, pois só o vi anunciado tarde da noite de novembro numa sexta-feira em uma das salas do Shopping Piracicaba.

A produção cinematográfica não dá detalhes de todas essas passagens descritas anteriormente. Não é um filme sobre os milhões de ano da existência da Terra. Ela centraliza-se num ponto da terra e da tela, com uma câmera estática com idas e voltas no tempo, desde a construção da casa em 1900 até a atualidade. Em relances mostra tempos anteriores, como povos indígenas que habitaram os Estados Unidos antes da colonização holandesa e britânica. Tudo usado para mostrar o quanto a vida é reles e frágil. Em pouco mais de uma hora, nascimentos, doenças e mortes. Ciclos naturais da vida, permeados por festas, felicidades, tristezas, boas e más notícias. Rotina pura, mas muito bem elaborada.

É um filme para se assistir e, após o seu fim, voltar ao início para ver elementos que na introdução passam despercebidos, mas que são peças fundamentais no seu desenrolar. Assim como toca em assuntos rotineiros que são fúteis para nós, mas mandam seu recado. Em 124 anos de história, lembra passagens essenciais para a humanidade como a gripe espanhola (no velório do aviador), do crescimento de casos de AVC, do mal de Alzheimer e da covid. Introduz elementos contemporâneos como a hispânica que atua como doméstica na casa dos habitantes atuais e repentinamente perde o olfato. Em seguida a família recebe a notícia de sua morte. A covid marca presença sem ser citada. Ou ainda o jovem negro que acaba de tirar sua carteira de habilitação e seu pai lhe explica detalhe por detalhe de como agir se um dia for parado por um policial branco, dizendo como proceder durante a abordagem e “agradecer por aquele policial ter tomado seu café naquele dia”. Reflexo de uma sociedade que busca sua identidade.

A reflexão que o filme nos traz é sobre o conteúdo de nossas vidas. Passadas sempre no mesmo local, com tristeza e alegrias, mas que muitas vezes não damos a devida importância aos fatos ou às pessoas. As transformações social e mental mexem com qualquer um.

Zemeckis tem uma sequência de obras bem pontuadas. Amigo de Steven Spielberg, fez memoráveis longas metragens como a trilogia “De Volta Para o Futuro”, “Expresso Polar”, “Náufrago” e “A Morte Lhe Cai Bem”. Com “Aqui” não teve boa receptividade. Seu faturamento atingiu três vezes dos 15 milhões de dólares investidos. Não que seu estilo já esteja no fim. É que a indústria cinematográfica busca novos conceitos e tem o poder de queimar ou fazer um filme virar sucesso. O quinto Indiana Jones ficou poucas semanas em cartaz, eclipsado por “Oppenheimer” e “Barbie”. Tentaram fazê-lo faturar no streaming. Mesma situação de “Aqui”, que pode ser visto nas principais plataformas.

A nova produção do diretor Robert Zemeckis é para ser assistida com uma caixa de lenços ao lado. Faz a cabeça virar em parafuso. Foi baseada em uma história em quadrinhos de Richard McGuire lançada no final da década de 2000. Se você sentiu sono ao assisti-lo, tenha certeza ... você não está sabendo ligar as referências. Mostra um triste ciclo da vida pelo qual “ainda estamos aqui”.

quarta-feira, 19 de março de 2025

Ano cinco

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Já entrou para a história. Não podemos nem discutir. Embora não faça tanto tempo assim, temos de buscar no fundo da memória situações às quais nunca vivemos antes. Agora em março faz cinco anos que entramos na pandemia da covid. Foi exatamente em março de 2020 que ficamos estarrecidos ao saber que locais como o Shopping Center Piracicaba estavam cerrando suas portas proibindo a circulação das pessoas.

Foi em março daquele ano que foram implantadas as medidas profundas contra a doença que era desconhecida, não tinha cura nem vacina. Toda a sociedade vira de perna para o ar da noite para o dia. Chegava o “novo normal”.

Até então, as notícias ecoavam da China. Na cidade através da antiga Net, era possível, desde novembro de 2019, assistir ao que ocorria no país através do canal CGTN, programação chinesa em inglês para o mundo todo. Por ele desfilavam situações que acreditávamos estar distante de nós. Ao final dos programas, nomes e mais nomes de mortos pelo temível vírus.

A doença se alastrou pela Europa e Ásia. Corpos eram deixados na rua, sepultamentos eram reservadíssimos, feito às escuras e sem velórios. Em Roma, o Papa Francisco circulou pelas ruas dando a benção de remissão dos pecados a todos com ruas vazias, já que a ordem era ficar em casa, evitando o contato.

Pensar que tudo isso nunca seria realidade em Piracicaba era comum. Eis que os noticiários trazem a informação da primeira morte no município. Empresas diminuem suas jornadas, enviam seus funcionários para casa, estabelecimentos são obrigados a fechar. Na cidade, durante o período de restrição funcionaram apenas supermercados e farmácias, além de hospitais e outros setores essenciais. Estudantes tiveram que se distanciar das lousas aderindo ao EAD – ensino a distância, desprovidos de recursos necessários como webcam, material didático e acesso à internet. Tudo era novo.

A necessidade de uso da máscara facial fez com que sua caixa saltasse de uma hora para outra dos 10 reais para 120 reais. Mesmo assim, houve falta do produto, considerado por muitos um incômodo. As ruas da cidade ficaram um marasmo. Todos em casa. Não circulava ninguém. Até a criminalidade diminuiu.

Hospitais montam atendimento de urgência e qualquer espirrinho era suspeito de ser covid. Aniversários foram cancelados. Jogos do XV dispensados. Missas também cessaram. Na TV, novelas tiveram suas gravações interrompidas e passaram a exibir reprises. O mesmo ocorreu com o futebol. Sem jogos, vamos ao replay de partidas clássicas da Seleção Brasileira de Futebol, muitas das Copas do Mundo de décadas atrás.

Através de aplicativos de mensagens, as informações estarreciam todos. “Sabe fulano ? Morreu de covid. E fulana ? Está no hospital intubada”... Perdemos muitos amigos. Hoje nem lembramos da neura de passar constantemente o álcool gel nas mãos ou no material em que pegamos. Houve uma iniciativa de lavar tudo o que era trazido do supermercado ou até de esquentar jornal com ferro de passar roupa para evitar a propagação da covid. Com o passar dos anos e com a blindagem das várias vacinas que foram colocadas a disposição, esquecemos disso tudo. Aperta-se as mãos das pessoas como antes, pega-se na maçaneta sem qualquer escrúpulo e ainda há aquele que sai do banheiro sem lavar as mãos. Cinco anos atrás isso tudo seria uma ofensa.

Foi difícil comparar a pandemia atual – a qual não acabou ainda – com a da Gripe Espanhola em 1918. São poucos os relatos na cidade. Esperamos que algumas poucas linhas como estas possam deixar um legado para o futuro, pois como diz aquela máxima que nunca aprendemos a praticar : é olhando para os erros do passado que devemos nos espelhar no futuro para não cair nos mesmos erros. 

sábado, 15 de março de 2025

Primeira aparição do Nhô Quim


Capa da Gazeta Esportiva de 28 de maio de 1949. Nesta data o E. C. XV de Novembro se tornava time profissional ao vencer a Lei de Acesso e ser o primeiro time do interior paulista à ir para a elite do esporte paulista. O Nhô Quim havia sido desenhado antes em material rústico e exibido nas vitrines do Challet Paulista de Armintos Raya. A criação foi de Edson Rontani. Porém, esta arte – mais profissional – é de Nino Borges. O Nhô Quim era apresentado aos times que na época faziam vibrar o torcedor de São Paulo. Foi a primeira aparição do mascote em um veículo oficial de imprensa. Reprodução do acervo da Gazeta Esportiva

sábado, 1 de março de 2025

Nhô Quim na Gazeta


A Gazeta Esportiva Ilustrada edição da primeira quinzena de 1955. Uma capa com os principais times de futebol da elite paulista. Dentre eles, estava o Nhô Quim, representando o E. C. XV de Novembro de Piracicaba, que aparece na ilustração logo abaixo ao centro. A ideia da criação de mascotes de times futebolísticos surge nos anos 1930 com Nino Borges que criou personagens para uma promoção lançada por um fabricante de balas. Este confiava no colecionismo e acabou criando escola. O XV em 1955, fazia cerca de seis anos que havia se profissionalizado e tinha um time à altura dos grandes times do Estado

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Carnaval de 1957


Foto de autoria ignorada, datada de 1957 nas dependências do Clube Social Coronel Barbosa. Tomava corpo o carnaval daquele ano os associados e convidados do clube. Para a decoração, muita tinta, dedicação e suor em termas que lembram as concentrações carnavalescas de antigamente. Na foto, de costas, um artista não identificado. Ao meio, Edson Rontani e a direita Jairo Ribeiro de Mattos. E assim, neste ano, o piracicabano curtiu os dias de folia no reinado de Momo.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025


Publicidade veiculada no jornal O Estado de São Paulo, edição de 17 de abril de 1962. A Paulista – Rede Ferroviária Paulista, FEPASA – deu nome ao bairro criado a partir de seu terminal. O anúncio previa preços promocionais para viagens inclusive de outras cidades para Piracicaba, em especial partindo da capital do estado de São Paulo. A Estação da Paulista foi inaugurada em 1922 e agora junho completa 103 anos, preservada como importante centro cultural e de lazer. As atividades da linha férrea ocorreram de 1922 a 1977. 

 

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Bendito Carnaval

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Pensei em ir aos órgãos de defesa do consumidor. Mas, nada adiantaria. Me senti ludibriado dias destes ao ouvir uma canção de 1969 denominada “País Tropical”. Nela, Jorge Ben, alegremente brindava : “em fevereiro, em fevereiro, tem Carnaval, tem Carnaval”. Fevereiro acaba daqui alguns dias e nada de Carnaval ! Não pude subir à tamancas pela simpatia que tenho por Jorge Ben, mas ele sim escalou montanhas quando teve que mudar de nome para Jorge Ben Jor ao notar que recebia menos direitos autorais porque estes royalties eram repassados não a ele e sim para um quase xará seu, George Benson. Como os gringos confundiam um com outro, aí sim o nosso Jorge foi aos órgãos competentes exigir seus direitos.

Mas, afinal, quem define quando é o Carnaval ? E por que Jorge Ben (Jor) resolveu marcar na MPB fevereiro como o mês desta folia popular ? Tudo depende da Páscoa, que a grosso modo é precedida pela Quaresma. Já a Páscoa ocorre no primeiro domingo após o equinócio de março, tendo por base sua primeira lua cheia. A lua muda de fase semanalmente mas nunca cai no mesmo dia. A Páscoa exige uma marcação que vai além da lógica. Bom ! Aí a cabeça começa a embaralhar, não é ? O certo é que não teremos Carnaval em fevereiro.

Há aqueles que usam a data para descansar. Há aqueles que não lembram que a festa foi cancelada em 2021 pela pandemia da covid-19. Em 2022 embaralhou o calendário já que também não foi realizado e em alguns estados ocorreu em abril. O Brasil todo trabalhou com pessoas carrancudas. Bom, mesmo com a doença correndo solta, teve gente que comemorou sem dó algum em cada um destes anos.

Para quem gosta de história, curioso é ver como era o Carnaval na capital federal brasileira, 100 anos atrás. Quando cito capital, é bom lembrar que a Guanabara era a sede do governo brasileiro. Sim. Rio de Janeiro. Com seus torrenciais 40 graus, a Folia de Momo nos anos 1920 trazia desfile de carros alegóricos. Até aí, tudo bem. Nada de “genitália desnuda” e sim sambistas de terno, gravata e chapéu. Herança da cultura europeia que ainda imperava no país. O que era moda em países onde nevava, como França, era consumido por aqui. Demorou muito para termos uma identidade tropical.

No passado, é difícil cair no esquecimento dos Carnavais de Piracicaba. Oxalá queira que daqui a pouco não se esqueça da Banda do Bule ou do Bloco da Sapucaia, assim como já esqueceu que tivemos um Sambódromo em área da antiga Estação da Paulista no final da década de 1990. A vida se renova, as pessoas morrem, se a história não é recontada para as novas gerações, o ostracismo toma conta de tudo. Houve quem fugisse da rua Governador Pedro de Toledo no sábado de manhã, primeiro dia do Carnaval, para não ter a mão boba correndo pelas coxas ou pelos beijos fortuitos dos foliões que muitas vezes percorriam a rua do comércio com uma boa dose de cachaça. Mas havia também um público que lotava as calçadas de tal rua para ver e aplaudir a originalidade das fantasias, normalmente homens travestidos.

A cidade teve um dos mais bonitos e elaborados carnavais do interior paulista, trazendo para cá atores globais e de renome nacional. Houve até carnaval embaixo de chuva, carnaval na Armando de Salles Oliveira com aquele fedor exalado pelos bueiros que escoavam pelo córrego do Itapeva... Mas nada que acabasse com a alegria da população.

Nos clubes, muita exaltação. Coronel Barbosa, Cristóvão, Clube de Campo, Atlético, Regatas, Ítalo ... Muitos reuniam a juventude e alta sociedade, assim como os petizes nas suas matinês. Carnaval até os anos 1990 era sinônimo de comércio fechado, período em que as compras da semana teriam que ser mais gordas pois nada abria. Os tempos mudaram. Momo continua rechonchudo. A folia está aí. Mas há quem prefira passar estas festividades em Lençóis (Paulista, não!) ou em Gramado (da Esalq, num piquenique). Carnaval eu pulo. Prefiro descansar.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 19 de fevereiro de 2925 e na Tribuna Piracicabana de 22 de fevereiro de 2025)


sábado, 15 de fevereiro de 2025

A imparcialidade parcial

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Leandro Guerrini escreve certa vez que os jornais começaram a circular em nossa terra 200 anos atrás, trazendo ecos de um moderno Brasil que acabara de se tornar independente de Portugal. Até então, obras impressas, como os livros, eram rodadas em Portugal ou na Inglaterra, grande parceiro comercial dos portugueses. Era tudo caro, exigia altos investimentos em maquinário e pessoal. Assim, personalidades fizeram jornais à sua moda, escritos a mão, distribuídos entre os mais influentes – e tão somente aos “letrados”, ou alfabetizados – e por vezes pregados à porta da igreja matriz, onde, com certeza, havia concentração rotineira.

Quando surgem os jornais no Brasil aparece um certo desconforto principalmente por parte da imprensa que tinha de produzir conteúdo, revisar, imprimir e distribuir. Não existiam as bancas de jornais e revistas. Estas eram denominadas de bibliotecas por reunir produções escritas em papel. Jornais e livros tiveram grande impulso, em especial na Europa, em meados do século retrasado, servindo de entretenimento durante viagens de trens, muitas delas longas nas quais era pouco ler um único livro, tão demorado o trajeto.

O jornal “O Estado de São Paulo”, em sua edição de 4 de janeiro passado, comemorativa aos 150 anos de fundação, trouxe dados curiosos sobre sua impressão e distribuição. As primeiras edições – quando ainda era chamado de “A Província de São Paulo” – tinham impressão de 2 mil exemplares, cuja distribuição era restrita a capital paulista, que eram entregues a assinantes ou colocados a disposição para compra em sua redação. Bernard Gregoire, francês, trouxe o know how adquirido em terras parisienses aceito pela direção do jornal que era sair às ruas, montado em um cavalo, vendendo as edições diárias do Estadão. Começa aí uma nova etapa da logística do jornalismo. Um francês barbado, com touca e uma vestimenta que lembrava um membro da legião estrangeira e ainda tocando uma corneta era uma figura exótica que chamou a atenção dos mais letrados, os quais a princípio o condenaram pela irritante corneta. Era a forma de chamar atenção que ainda hoje é praticada com o amolador de facas que percorre as ruas, o vendedor de biju ou até o carro da pamonha. Gregoire virou ex-libris e estampa o Estadão até hoje num cavalo com uma corneta à mão.

Entre os anos 1700 e 1800 a imprensa, não apenas brasileira, vivia sobre a batuta governamental. Os fatos publicados eram aqueles de interesse de quem estivesse no poder, no caso do Brasil, o regente. Não havia imparcialidade muito menos eram ouvidos os dois lados. Na proximidade do surgimento da República o cenário muda.

Por isso é comum ver jornais antigos com sua titulação e uma referência como “órgão independente”. A profissionalização da imprensa surge na Europa no início dos anos 1800, fazendo da notícia apurada um produto de considerável custo financeiro. Surgem depois as publicidades atreladas a um conteúdo confiável.

O “Estadão”, quando foi instaurada a República, estampou em sua capa que não era “órgão de partido político algum, nem estando em seu intuito advogar os interesses de qualquer deles”.

Em Piracicaba, o jornal “Gazeta de Piracicaba” trazia este exemplo. Criado na transição de Império para República, o matutino trazia abaixo de seu nome slogans como “Orgam Imparcial” (1882), “Folha popular” (1886/87), “Propriedade de uma Associação” (1892) e depois, como modismo midiático em quase todo o Brasil, “Orgam Republicano” (1893/96 e 1903). A Gazeta teve sempre seus ideais republicanos, não apenas nos períodos citados, sendo que na primeira edição do jornal é explícito o apoio ao Regime. Estudos indicam também que além de republicano o jornal tinha fortes ligações com a maçonaria visto que os defensores locais da República eram de lá provindos.

Anteriormente a cidade abrigou jornais com viés monarquista com o Jornal do Povo (1880/89) e O Piracicaba o qual abusava dos ideais do Partido Liberal. E assim a liberdade foi trocada pela imparcialidade.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 08 de fevereiro de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 15 de fevereiro de 2025

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Informação por uma “gazzetta”

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

O Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba disponibiliza em seu site mais de 1 mil fotografias com os três primeiros anos do jornal “Gazeta de Piracicaba”, que circulou na cidade de janeiro de 1881 a julho de 1938. Infelizmente, no acervo não constam as edições do primeiro ano. Estão disponíveis páginas de 1882 a 1884. Algumas carcomidas pelo tempo ou pelo manusear. São 141 anos de impressão em papel jornal cujas edições com certeza ficaram algum tempo exposto sobre a radiação solar seja na entrega ou nos pontos de venda de então. Essa precariedade fez com que o acervo físico fosse fechado ao público em geral.

Dediquei muita atenção ao ano de 1932 nas edições da Gazeta. Isso porque pretendo lançar em breve um livro sobre o comportamento da sociedade local naquele ano, em especial durante a Revolução Constitucionalista. O matutino dividia espaço com este “Jornal de Piracicaba” e o “Momento”.

A “Gazeta de Piracicaba”, no período analisado, media 54 cm na vertical por 38 cm na horizontal. As edições de 1932 encontram-se em um volume único, dando noção que sua proporção horizontal pode ter sido refilada para a encadernação. Possuía como redator à época Lauro A. C. de Almeida e como proprietário e gerente Chistovam Donatz. Em nenhuma edição deste período foi possível constatar onde ficava sua sede ou onde era impresso. Não havia expediente publicado. Era um jornal com uma diagramação à frente do seu tempo, com colunas concisas que não confundiam a leitura e tinha uma sequência de matérias bem dispostas. Possuía uma visualização espaçada, naquilo que consideramos no jornalismo como uma diagramação mais limpa. Usava e abusava de titulação trabalhada como caracteres repletos de serifas. Neste período, tinha uma coluna fixa na capa intitulada “Notícias Rápidas”, com drops sobre a Revolução em todo o Estado de São Paulo. Não deu tanto destaque à causa constitucionalista tanto quanto o “Jornal de Piracicaba e “O Momento”. Mantinha, durante este conflito, colunas na capa sobre assuntos hoje banais como a influência galesa e saxã na língua brasileira, entre outros. Circulava de terça-feira a domingo com quatro páginas. Eram publicadas colunas tradicionais como “Cultho Catholico”, “Sociaes” e a programação de cinemas. No período de 22 de setembro a 19 de novembro de 1932 teve seu tamanho reduzido para 38 cm na vertical por 38 cm na horizontal, próximo ao tabloide, motivado possivelmente pela escassez do papel jornal. Mesmo assim, as colunas tradicionais foram mantidas, tal qual os anúncios, e a Revolução Constitucionalista não era tão explorada quanto aos dois outros concorrentes.

“Gazeta de Piracicaba” publicava colunas diárias de Euclydes do Amaral e de Jacob Dihel Neto intitulada “O proposito do Batalhão Piracicabano”.

Carolina Martin, que atualmente reside em Santos, mas por alguns anos catalogou e organizou o acervo de jornais do Instituto Histórico, se empenhou em um estudo de outro período. Foram dias e dias lendo, anotando e avaliando seu conteúdo para um estudo que está compilado num site, com o tema “A Educação na Imprensa Republicana: Gazeta de Piracicaba 1882-1903”. Nove anos de análises meticulosas feita em conjunta com o pesquisador Cesar R. A. Vieira.

A intenção é tornar pública uma sequência de notícias, artigos de opinião e anúncios publicados pela “Gazeta de Piracicaba” envolvendo temas sobre a educação. Aparecem análises sobre os internatos femininos, educação, imigrantes, escravos alforriados e outros. O estudo também aborda escolas históricas da cidade como o Colégio Piracicabano e o Nossa Senhora D’Assunção, e os primeiros Grupos Escolares. A obra é um deleite por conhecermos professores que hoje são nominados com logradouros ou escolas e que desfilam no estudo. O resultado final pode ser conferido no site do IHGP, de forma gratuita, sem ter que pagar nada. Lembrando que jornais foram denominados de “Gazeta” já que gazzetta era um moeda italiana cujo valor equivalia à compra de um jornal.


quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

A história em formato digital

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

 

Muito em breve deixaremos de ser acumuladores, um vício cultuado como hábito o qual aprendemos com nossos pais, os quais aprenderam com seus pais e assim por diante. Uma tradição que passa gerações.

Um livro que nos agrada, colocamos na estante para ler um dia. E nunca mais o lemos. Uma música que adoramos retemos como aprisionamos um passarinho numa gaiola, seja essa canção em qualquer formato disponibilizado pelo mercado, como CD, LP, MP3. Um filme que nos fez chorar ou aflorar qualquer sensibilidade cultuamos e também o colocamos em uma estante, seja em celuloide, VHS, DVD ... Um imenso álbum de fotografias era aberto e colocado entre as pernas, e ao nosso lado a família se juntava para relembrar fatos passados. Hoje a fotografia é individual, pois fica em nosso bolso, no smartphone e quando você inventa de mostra-la para alguém vem aquele exercício de vai e vem para adaptar o foco à nossa cansada visão.

Assim é com a história, perpetuada por livros físicos, fotografias impressas, filmes e outras formas de guardar para o futuro o momento presente ou passado. Está chegando ao fim ter em casa dezenas de livros que nos tornam mais sábios. Revistas ? Nem falo nada. Sejam em quadrinhos, sobre tricô ou receitas, ou informativas, já tiveram seu tempo, levando à bancarrota diversas de suas editoras.

Bom, tudo isso para dizer que estamos no mundo digital a muito tempo. Lembro que entrei na internet em 1996, poucos anos depois dela comercialmente aportar no Brasil. Não tinha o que fazer com ela. As ferramentas foram se formando aos poucos, moldando o formato que conhecemos hoje. Celular não era smart, servia apenas para ligações telefônicas no local em que você estivesse. Bem ... tinha alguns lugares que não funcionava nem com reza braba, isso é verdade.

O Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba tem sua vertente digital sobre a história de Piracicaba. Desde a década de 2000 não mede esforços para propagar fatos que compuseram Piracicaba, na sua ocupação, urbanização, industrialização e tudo mais. É curioso ver fotos do passado e comparar com a atualidade, tirando o pó de nossa “massa cinzenta” resgatando memórias afetivas de locais ou eventos pelos quais passamos. Um homem sem passado, não tem história.

Todo acervo que, além de provocar imensa rinite ou outras irritações alérgicas, embasaram estudos, teses acadêmicas e resgataram o passado. O IHGP tem jornais, livros, filmes, discos em formato físicos. Alguns inacessíveis ao público por conta do desgaste ocasionado pelo tempo, como por exemplo o jornal “Gazeta de Piracicaba” da década de 1880. Impossível abrir tal acervo à sociedade sendo que qualquer folhear irá esfacelar suas páginas.

Dos anos 2000 para cá, e olhe que são 25 anos, vários voluntários se uniram para digitalizar esta história, como o livro de enterramentos do Cemitério da Saudade, que hoje pode ser consultado à distância. Fotografias que definiram a sociedade piracicabana no século passado podem ser vistas e ter download feito pelo Flickr da entidade. E, o melhor, de forma gratuita. São hoje 10.500 registros disponíveis com 3 milhões de visualizações individuais. Nosso Wiki pôde ser consultado com verbetes do “Dicionário de Piracicabanos”, catalogado pelo professor Samiel Pfromm Neto. Quer saber quem foi Fulano de Tal ? Coloca no Wiki do IHGP e você terá sua biografia. O serviço hoje está indisponível. Tal formato vem sendo estudado para 2025 com foco exclusivo para os descendentes de italianos, como forma de celebrar os 150 anos da imigração dos ítalos. Livros, antes restritos ao papel, já podem ser acessados pelo site do IHGP. Não são e-books e sim as versões digitais em PDF do que foi impresso.

Recentemente o IHGP uniu-se a WRPD Informática e criou o Nhô Chat, ferramenta de inteligência artificial que auxilia a inteligência humana. Não é um buscador como foi confundindo por algumas pessoas. Para isso já existe o Google ou o Wikipedia. É uma ferramenta para compor mensagens, buscar informações catalogadas no acervo do IHGP que conta atualmente com cerca de 70 livros publicados. É uma ferramenta que colabora com pesquisas em livros e outros meios. O Nhô Chat é recente. Ainda é um bebê que mama e está formando sua capacidade intelectual. Não é um adulto pós-graduado. Isso forma-se aos poucos, como é a inteligência, seja artificial ou orgânica. Tem chão para engatinhar e futuro para despontar como um bom aluno e, aí sim, virar um mestre.

 

sábado, 11 de janeiro de 2025

Com o fogo fez-se a luz

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Curioso é debruçar-se diante de livros sobre Piracicaba e ver que sua história é repetida por diversos autores. Estes bebem da mesma fonte que ajudaram a propagar a história local. Debruçaram sobre atas da Câmara Municipal, sobre os tradicionais almanaques e principalmente sobre os jornais impressos, entre outros documentos.

Existem outras fontes, distantes, na ocasião, para tais pesquisadores. Leandro Guerrini chega a citar documentos em posse de Portugal sobre a distribuição de sesmarias e povoação daquilo que séculos atrás foi o embrião de Piracicaba. Existem, claro, documentos além destes, alguns acessíveis hoje com facilidade pela rede mundial de comunicação, a internet. Mas a história ainda está restrita ao papel e aos poucos vem sem digitada, digitalizada ou lida pelo sistema OCR dos scaners.

Nada disso tira o mérito do estudo de muita gente que, por exemplo, nos permite falar, pela segunda semana, sobre a iluminação na cidade. Dias atrás, caminhando em frente a Igreja do Frades um caminhão baú passa e leva consigo uma fiação caída do poste. A parte que ele deixou esticou-se e voltou como se fosse uma estilingada. Dos postes vemos um emaranhado de fios soltos que colocam em risco os pedestres, ciclistas, motociclistas e motoristas.

Os postes “raízes” de Piracicaba vieram de doação da capital do Estado. Funcionavam à querosene por cerca de quatro horas. O passado chega a ser curioso e engraçado. Havia uma pessoa (funcionário da Câmara) que com uma vareta colocava fogo e acendia o lampião. Assim, como em terras britânicas, durante a Revolução Industrial, havia o profissional que passava de casa em casa jogando pedregulhos nas vidraças para acordar os trabalhadores para mais um dia de labuta. Isso antes do despertador existir. Bom, claro que já havia galo. Mas aí a história é outra. São profissões que caíram em desuso e se extinguiram. É o caso do “guarda livro”, antiga denominação dos contadores e contabilistas que anotavam o movimento financeiro das empresas em grandes livros, tudo escrito à mão.

Dona Mariinha, Maria Celestina Teixeira Mendes Torres, filha de Otávio Teixeira Mendes, descreve Piracicaba no século 18 com sendo uma cidade sem tecnologia, desenvolvimento e infraestrutura, sendo que “só tomará alento na década dos anos 70”. Dona Mariinha fala que o surgimento da energia e, por conseguinte, a luz, Piracicaba passa a vislumbrar seu futuro. Vendas e tavernas, até 1873, tinham iluminação noturna precária: lanterna presa a um gancho na parede – a querosene ou qualquer outro combustível comum na época. De lampiões ao poste foi um tremendo pulo tecnológico. As pessoas podiam sair à noite ! Podia-se enxergar no escuro. De forma precária, claro.

Depois fomos do lampião para a luz elétrica em poste, Piracicaba passa a ver uma realidade de outro mundo. A iniciativa foi de Luiz de Queiroz, muito tempo antes da doação de sua fazenda para que nela fosse instalada a Escola Agrícola Prática. A inauguração da luz elétrica se deu em 6 de setembro de 1893. Tornou-se fato após assinatura de contrato entre sua empresa e a edilidade. Nos primeiros dias pouco mais de metade das 235 lâmpadas prometidas acabaram acesas. A Gazeta de Piracicaba de 7 de setembro daquele ano garantia que não havia oscilação nas lâmpadas de 32 watts devido a um grande motor hidráulico bancado por Queiróz.

A luz elétrica era novidade. Saímos da iluminação feita pelo fogo e chegamos ao filamento que brilhava com uma bruta incandescência. Era comum sair de casa e ficar vislumbrando os postes. Não falei que ao ver o passado podemos deparar com situações curiosas e engraçadas ? Tamanha era a novidade que bandas (duas) tocaram à frente do Hotel Central, na praça José Bonifácio, onde Queiroz se hospedava. A população saiu às ruas para enaltecer a ação do homem visionário. Meses depois, em 6 de janeiro de 1894, Luiz de Queiroz pede para que a Câmara de Vereadores seja fiadora de um empréstimo altíssimo para que pudesse completar a instalação de sua empresa de iluminação. Tal pedido seria feito junto ao Banco da República do Brasil. Ilustre inovador já estava em delicada crise financeira. De lá para cá, a chama da luz nunca se apagou.

(Publicado na Tribuna Piracicabana edição de 11 de janeiro de 2025)

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Piracicaba pós 1932

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Em 2 de outubro de 1932 cessa o conflito civil armado conhecido por Revolução Constitucionalista. A rotina deveria voltar a Piracicaba. Alguns fatos que ocorreram após o armistício ficaram marcados em nossa história.

Rua João Pessoa - Rua do Commércio e Rua Governador Pedro de Toledo. A principal rua do comércio de Piracicaba resiste há muitos anos, tendo sido palco de carnavais, de apresentações da Banda do Bule, de desfiles cívicos como o de 7 de setembro, entre outras atividades. Entre a primeira e segunda denominação foi chamada de Rua João Pessoa, na década de 30.

Porém, os registros históricos são poucos os quais não nos dão certeza de quando houve o início e fim desta denominação. Registros legais podem não existir, visto que a Câmara de Vereadores teve seus trabalhos suspensos por Getúlio Vargas.

É comum em ver nos jornais da época, anúncios de lojas como a antiga Portalarga usando a Rua João Pessoa como referência. Ou a Fábrica de Balas Atlante anunciando que estaria em novo endereço, na Rua João Pessoa no antigo cinema (prédio ocupado nos anos 1980 pelo Zilliat Shopping e atualmente ocupado pela rede de supermercados Jaú Serve).

A mudança para Governador Pedro de Toledo ocorre ainda na primeira metade dos anos 1930, após a Revolução Constitucionalista, em homenagem ao interventor do estado de São Paulo. João Pessoa foi alvo de uma comoção nacional ao ser assassinado em 1930 quando ainda ocupava o cargo de governador (presidente, termo usado na época) da Paraíba. Foi candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, perdendo para Júlio Prestes, que não foi empossado devido à eclosão da Revolução de 1930.

Associação Comercial - O comércio em Piracicaba sempre foi forte. Tanto que uma de seus logradouros principais era denominado de Rua do Commercio até aos anos 1930. Esta rua começa nas proximidades da Estação da Paulista e finda na Curva do S, sobre o Córrego do Itapeva, ao menos no sentido do trânsito. É curiosa a ligação da Rua do Commercio com a sua denominação atual, ou seja, Rua Governador Pedro de Toledo, interventor federal que governou o estado de São Paulo, sendo ele o comandante civil da Revolução de 1932, renunciando ao cargo de interventor e aclamado pela população como o Governador de direito do estado.

Este enunciado demonstra o fervor do comércio local e sua participação para o desenvolvimento do município. Não é à toa, que no memorável 9 de julho de 1933, um ano após o início da Epopeia Paulista, é fundada a Associação Comercial de Piracicaba, hoje Associação Comercial e Industrial de Piracicaba (ACIPI).

Bom Jesus - A Revolução Constitucionalista de 1932 atrasou uma das obras religiosas mais conhecidas da cidade: a Igreja Senhor Bom Jesus do Monte, ou simplesmente Bom Jesus. Sua história foi iniciada em 8 de outubro de 1857, quando foi doado terreno por João Antonio de Siqueira. A Igreja situa-se na rua Bom Jesus esquina com a rua Moraes Barros.

Napoleão Belluco iniciou a construção em janeiro de 1927, com pintura do forro pelo artista Mario Thomazzi. Assim, agenda-se a inauguração oficial da Igreja para a primeira quinzena de agosto de 1932, adiadas para novembro devido à Revolução Constitucionalista. Em 13 de novembro de 1932, domingo, deu-se a tão esperada inauguração.