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segunda-feira, 7 de abril de 2025

Ainda estamos aqui

 Edson Rontani Júnior, jornalista e cinéfilo

O sonho da infância, alimentado pela juventude, corroído pelo tempo e findado com a morte. Isso tudo desde o big bang até a atualidade, passando pelos dinossauros, o cometa que destruiu a Terra, a era do gelo, a dominação dos Estados Unidos e conclusão em 2024. Tudo isso em mera 1 hora e 40 minutos sob a ótica de Robert Zemeckis no filme “Aqui”. Uma produção que não deve ser deixada de lado.

O autor quis recriar “Forrest Gump – O Contador de História”, utilizando, inclusive parte de seu elenco deste, que nasce, fica jovem e termina na velhice com ajuda da inteligência artificial. Estranhei muito que o filme tenha ficado poucos dias – poucos mesmo –, pois só o vi anunciado tarde da noite de novembro numa sexta-feira em uma das salas do Shopping Piracicaba.

A produção cinematográfica não dá detalhes de todas essas passagens descritas anteriormente. Não é um filme sobre os milhões de ano da existência da Terra. Ela centraliza-se num ponto da terra e da tela, com uma câmera estática com idas e voltas no tempo, desde a construção da casa em 1900 até a atualidade. Em relances mostra tempos anteriores, como povos indígenas que habitaram os Estados Unidos antes da colonização holandesa e britânica. Tudo usado para mostrar o quanto a vida é reles e frágil. Em pouco mais de uma hora, nascimentos, doenças e mortes. Ciclos naturais da vida, permeados por festas, felicidades, tristezas, boas e más notícias. Rotina pura, mas muito bem elaborada.

É um filme para se assistir e, após o seu fim, voltar ao início para ver elementos que na introdução passam despercebidos, mas que são peças fundamentais no seu desenrolar. Assim como toca em assuntos rotineiros que são fúteis para nós, mas mandam seu recado. Em 124 anos de história, lembra passagens essenciais para a humanidade como a gripe espanhola (no velório do aviador), do crescimento de casos de AVC, do mal de Alzheimer e da covid. Introduz elementos contemporâneos como a hispânica que atua como doméstica na casa dos habitantes atuais e repentinamente perde o olfato. Em seguida a família recebe a notícia de sua morte. A covid marca presença sem ser citada. Ou ainda o jovem negro que acaba de tirar sua carteira de habilitação e seu pai lhe explica detalhe por detalhe de como agir se um dia for parado por um policial branco, dizendo como proceder durante a abordagem e “agradecer por aquele policial ter tomado seu café naquele dia”. Reflexo de uma sociedade que busca sua identidade.

A reflexão que o filme nos traz é sobre o conteúdo de nossas vidas. Passadas sempre no mesmo local, com tristeza e alegrias, mas que muitas vezes não damos a devida importância aos fatos ou às pessoas. As transformações social e mental mexem com qualquer um.

Zemeckis tem uma sequência de obras bem pontuadas. Amigo de Steven Spielberg, fez memoráveis longas metragens como a trilogia “De Volta Para o Futuro”, “Expresso Polar”, “Náufrago” e “A Morte Lhe Cai Bem”. Com “Aqui” não teve boa receptividade. Seu faturamento atingiu três vezes dos 15 milhões de dólares investidos. Não que seu estilo já esteja no fim. É que a indústria cinematográfica busca novos conceitos e tem o poder de queimar ou fazer um filme virar sucesso. O quinto Indiana Jones ficou poucas semanas em cartaz, eclipsado por “Oppenheimer” e “Barbie”. Tentaram fazê-lo faturar no streaming. Mesma situação de “Aqui”, que pode ser visto nas principais plataformas.

A nova produção do diretor Robert Zemeckis é para ser assistida com uma caixa de lenços ao lado. Faz a cabeça virar em parafuso. Foi baseada em uma história em quadrinhos de Richard McGuire lançada no final da década de 2000. Se você sentiu sono ao assisti-lo, tenha certeza ... você não está sabendo ligar as referências. Mostra um triste ciclo da vida pelo qual “ainda estamos aqui”.

quarta-feira, 19 de março de 2025

Ano cinco

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Já entrou para a história. Não podemos nem discutir. Embora não faça tanto tempo assim, temos de buscar no fundo da memória situações às quais nunca vivemos antes. Agora em março faz cinco anos que entramos na pandemia da covid. Foi exatamente em março de 2020 que ficamos estarrecidos ao saber que locais como o Shopping Center Piracicaba estavam cerrando suas portas proibindo a circulação das pessoas.

Foi em março daquele ano que foram implantadas as medidas profundas contra a doença que era desconhecida, não tinha cura nem vacina. Toda a sociedade vira de perna para o ar da noite para o dia. Chegava o “novo normal”.

Até então, as notícias ecoavam da China. Na cidade através da antiga Net, era possível, desde novembro de 2019, assistir ao que ocorria no país através do canal CGTN, programação chinesa em inglês para o mundo todo. Por ele desfilavam situações que acreditávamos estar distante de nós. Ao final dos programas, nomes e mais nomes de mortos pelo temível vírus.

A doença se alastrou pela Europa e Ásia. Corpos eram deixados na rua, sepultamentos eram reservadíssimos, feito às escuras e sem velórios. Em Roma, o Papa Francisco circulou pelas ruas dando a benção de remissão dos pecados a todos com ruas vazias, já que a ordem era ficar em casa, evitando o contato.

Pensar que tudo isso nunca seria realidade em Piracicaba era comum. Eis que os noticiários trazem a informação da primeira morte no município. Empresas diminuem suas jornadas, enviam seus funcionários para casa, estabelecimentos são obrigados a fechar. Na cidade, durante o período de restrição funcionaram apenas supermercados e farmácias, além de hospitais e outros setores essenciais. Estudantes tiveram que se distanciar das lousas aderindo ao EAD – ensino a distância, desprovidos de recursos necessários como webcam, material didático e acesso à internet. Tudo era novo.

A necessidade de uso da máscara facial fez com que sua caixa saltasse de uma hora para outra dos 10 reais para 120 reais. Mesmo assim, houve falta do produto, considerado por muitos um incômodo. As ruas da cidade ficaram um marasmo. Todos em casa. Não circulava ninguém. Até a criminalidade diminuiu.

Hospitais montam atendimento de urgência e qualquer espirrinho era suspeito de ser covid. Aniversários foram cancelados. Jogos do XV dispensados. Missas também cessaram. Na TV, novelas tiveram suas gravações interrompidas e passaram a exibir reprises. O mesmo ocorreu com o futebol. Sem jogos, vamos ao replay de partidas clássicas da Seleção Brasileira de Futebol, muitas das Copas do Mundo de décadas atrás.

Através de aplicativos de mensagens, as informações estarreciam todos. “Sabe fulano ? Morreu de covid. E fulana ? Está no hospital intubada”... Perdemos muitos amigos. Hoje nem lembramos da neura de passar constantemente o álcool gel nas mãos ou no material em que pegamos. Houve uma iniciativa de lavar tudo o que era trazido do supermercado ou até de esquentar jornal com ferro de passar roupa para evitar a propagação da covid. Com o passar dos anos e com a blindagem das várias vacinas que foram colocadas a disposição, esquecemos disso tudo. Aperta-se as mãos das pessoas como antes, pega-se na maçaneta sem qualquer escrúpulo e ainda há aquele que sai do banheiro sem lavar as mãos. Cinco anos atrás isso tudo seria uma ofensa.

Foi difícil comparar a pandemia atual – a qual não acabou ainda – com a da Gripe Espanhola em 1918. São poucos os relatos na cidade. Esperamos que algumas poucas linhas como estas possam deixar um legado para o futuro, pois como diz aquela máxima que nunca aprendemos a praticar : é olhando para os erros do passado que devemos nos espelhar no futuro para não cair nos mesmos erros. 

sábado, 15 de março de 2025

Primeira aparição do Nhô Quim


Capa da Gazeta Esportiva de 28 de maio de 1949. Nesta data o E. C. XV de Novembro se tornava time profissional ao vencer a Lei de Acesso e ser o primeiro time do interior paulista à ir para a elite do esporte paulista. O Nhô Quim havia sido desenhado antes em material rústico e exibido nas vitrines do Challet Paulista de Armintos Raya. A criação foi de Edson Rontani. Porém, esta arte – mais profissional – é de Nino Borges. O Nhô Quim era apresentado aos times que na época faziam vibrar o torcedor de São Paulo. Foi a primeira aparição do mascote em um veículo oficial de imprensa. Reprodução do acervo da Gazeta Esportiva

sábado, 1 de março de 2025

Nhô Quim na Gazeta


A Gazeta Esportiva Ilustrada edição da primeira quinzena de 1955. Uma capa com os principais times de futebol da elite paulista. Dentre eles, estava o Nhô Quim, representando o E. C. XV de Novembro de Piracicaba, que aparece na ilustração logo abaixo ao centro. A ideia da criação de mascotes de times futebolísticos surge nos anos 1930 com Nino Borges que criou personagens para uma promoção lançada por um fabricante de balas. Este confiava no colecionismo e acabou criando escola. O XV em 1955, fazia cerca de seis anos que havia se profissionalizado e tinha um time à altura dos grandes times do Estado

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Carnaval de 1957


Foto de autoria ignorada, datada de 1957 nas dependências do Clube Social Coronel Barbosa. Tomava corpo o carnaval daquele ano os associados e convidados do clube. Para a decoração, muita tinta, dedicação e suor em termas que lembram as concentrações carnavalescas de antigamente. Na foto, de costas, um artista não identificado. Ao meio, Edson Rontani e a direita Jairo Ribeiro de Mattos. E assim, neste ano, o piracicabano curtiu os dias de folia no reinado de Momo.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025


Publicidade veiculada no jornal O Estado de São Paulo, edição de 17 de abril de 1962. A Paulista – Rede Ferroviária Paulista, FEPASA – deu nome ao bairro criado a partir de seu terminal. O anúncio previa preços promocionais para viagens inclusive de outras cidades para Piracicaba, em especial partindo da capital do estado de São Paulo. A Estação da Paulista foi inaugurada em 1922 e agora junho completa 103 anos, preservada como importante centro cultural e de lazer. As atividades da linha férrea ocorreram de 1922 a 1977. 

 

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Bendito Carnaval

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Pensei em ir aos órgãos de defesa do consumidor. Mas, nada adiantaria. Me senti ludibriado dias destes ao ouvir uma canção de 1969 denominada “País Tropical”. Nela, Jorge Ben, alegremente brindava : “em fevereiro, em fevereiro, tem Carnaval, tem Carnaval”. Fevereiro acaba daqui alguns dias e nada de Carnaval ! Não pude subir à tamancas pela simpatia que tenho por Jorge Ben, mas ele sim escalou montanhas quando teve que mudar de nome para Jorge Ben Jor ao notar que recebia menos direitos autorais porque estes royalties eram repassados não a ele e sim para um quase xará seu, George Benson. Como os gringos confundiam um com outro, aí sim o nosso Jorge foi aos órgãos competentes exigir seus direitos.

Mas, afinal, quem define quando é o Carnaval ? E por que Jorge Ben (Jor) resolveu marcar na MPB fevereiro como o mês desta folia popular ? Tudo depende da Páscoa, que a grosso modo é precedida pela Quaresma. Já a Páscoa ocorre no primeiro domingo após o equinócio de março, tendo por base sua primeira lua cheia. A lua muda de fase semanalmente mas nunca cai no mesmo dia. A Páscoa exige uma marcação que vai além da lógica. Bom ! Aí a cabeça começa a embaralhar, não é ? O certo é que não teremos Carnaval em fevereiro.

Há aqueles que usam a data para descansar. Há aqueles que não lembram que a festa foi cancelada em 2021 pela pandemia da covid-19. Em 2022 embaralhou o calendário já que também não foi realizado e em alguns estados ocorreu em abril. O Brasil todo trabalhou com pessoas carrancudas. Bom, mesmo com a doença correndo solta, teve gente que comemorou sem dó algum em cada um destes anos.

Para quem gosta de história, curioso é ver como era o Carnaval na capital federal brasileira, 100 anos atrás. Quando cito capital, é bom lembrar que a Guanabara era a sede do governo brasileiro. Sim. Rio de Janeiro. Com seus torrenciais 40 graus, a Folia de Momo nos anos 1920 trazia desfile de carros alegóricos. Até aí, tudo bem. Nada de “genitália desnuda” e sim sambistas de terno, gravata e chapéu. Herança da cultura europeia que ainda imperava no país. O que era moda em países onde nevava, como França, era consumido por aqui. Demorou muito para termos uma identidade tropical.

No passado, é difícil cair no esquecimento dos Carnavais de Piracicaba. Oxalá queira que daqui a pouco não se esqueça da Banda do Bule ou do Bloco da Sapucaia, assim como já esqueceu que tivemos um Sambódromo em área da antiga Estação da Paulista no final da década de 1990. A vida se renova, as pessoas morrem, se a história não é recontada para as novas gerações, o ostracismo toma conta de tudo. Houve quem fugisse da rua Governador Pedro de Toledo no sábado de manhã, primeiro dia do Carnaval, para não ter a mão boba correndo pelas coxas ou pelos beijos fortuitos dos foliões que muitas vezes percorriam a rua do comércio com uma boa dose de cachaça. Mas havia também um público que lotava as calçadas de tal rua para ver e aplaudir a originalidade das fantasias, normalmente homens travestidos.

A cidade teve um dos mais bonitos e elaborados carnavais do interior paulista, trazendo para cá atores globais e de renome nacional. Houve até carnaval embaixo de chuva, carnaval na Armando de Salles Oliveira com aquele fedor exalado pelos bueiros que escoavam pelo córrego do Itapeva... Mas nada que acabasse com a alegria da população.

Nos clubes, muita exaltação. Coronel Barbosa, Cristóvão, Clube de Campo, Atlético, Regatas, Ítalo ... Muitos reuniam a juventude e alta sociedade, assim como os petizes nas suas matinês. Carnaval até os anos 1990 era sinônimo de comércio fechado, período em que as compras da semana teriam que ser mais gordas pois nada abria. Os tempos mudaram. Momo continua rechonchudo. A folia está aí. Mas há quem prefira passar estas festividades em Lençóis (Paulista, não!) ou em Gramado (da Esalq, num piquenique). Carnaval eu pulo. Prefiro descansar.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 19 de fevereiro de 2925 e na Tribuna Piracicabana de 22 de fevereiro de 2025)


sábado, 15 de fevereiro de 2025

A imparcialidade parcial

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

Leandro Guerrini escreve certa vez que os jornais começaram a circular em nossa terra 200 anos atrás, trazendo ecos de um moderno Brasil que acabara de se tornar independente de Portugal. Até então, obras impressas, como os livros, eram rodadas em Portugal ou na Inglaterra, grande parceiro comercial dos portugueses. Era tudo caro, exigia altos investimentos em maquinário e pessoal. Assim, personalidades fizeram jornais à sua moda, escritos a mão, distribuídos entre os mais influentes – e tão somente aos “letrados”, ou alfabetizados – e por vezes pregados à porta da igreja matriz, onde, com certeza, havia concentração rotineira.

Quando surgem os jornais no Brasil aparece um certo desconforto principalmente por parte da imprensa que tinha de produzir conteúdo, revisar, imprimir e distribuir. Não existiam as bancas de jornais e revistas. Estas eram denominadas de bibliotecas por reunir produções escritas em papel. Jornais e livros tiveram grande impulso, em especial na Europa, em meados do século retrasado, servindo de entretenimento durante viagens de trens, muitas delas longas nas quais era pouco ler um único livro, tão demorado o trajeto.

O jornal “O Estado de São Paulo”, em sua edição de 4 de janeiro passado, comemorativa aos 150 anos de fundação, trouxe dados curiosos sobre sua impressão e distribuição. As primeiras edições – quando ainda era chamado de “A Província de São Paulo” – tinham impressão de 2 mil exemplares, cuja distribuição era restrita a capital paulista, que eram entregues a assinantes ou colocados a disposição para compra em sua redação. Bernard Gregoire, francês, trouxe o know how adquirido em terras parisienses aceito pela direção do jornal que era sair às ruas, montado em um cavalo, vendendo as edições diárias do Estadão. Começa aí uma nova etapa da logística do jornalismo. Um francês barbado, com touca e uma vestimenta que lembrava um membro da legião estrangeira e ainda tocando uma corneta era uma figura exótica que chamou a atenção dos mais letrados, os quais a princípio o condenaram pela irritante corneta. Era a forma de chamar atenção que ainda hoje é praticada com o amolador de facas que percorre as ruas, o vendedor de biju ou até o carro da pamonha. Gregoire virou ex-libris e estampa o Estadão até hoje num cavalo com uma corneta à mão.

Entre os anos 1700 e 1800 a imprensa, não apenas brasileira, vivia sobre a batuta governamental. Os fatos publicados eram aqueles de interesse de quem estivesse no poder, no caso do Brasil, o regente. Não havia imparcialidade muito menos eram ouvidos os dois lados. Na proximidade do surgimento da República o cenário muda.

Por isso é comum ver jornais antigos com sua titulação e uma referência como “órgão independente”. A profissionalização da imprensa surge na Europa no início dos anos 1800, fazendo da notícia apurada um produto de considerável custo financeiro. Surgem depois as publicidades atreladas a um conteúdo confiável.

O “Estadão”, quando foi instaurada a República, estampou em sua capa que não era “órgão de partido político algum, nem estando em seu intuito advogar os interesses de qualquer deles”.

Em Piracicaba, o jornal “Gazeta de Piracicaba” trazia este exemplo. Criado na transição de Império para República, o matutino trazia abaixo de seu nome slogans como “Orgam Imparcial” (1882), “Folha popular” (1886/87), “Propriedade de uma Associação” (1892) e depois, como modismo midiático em quase todo o Brasil, “Orgam Republicano” (1893/96 e 1903). A Gazeta teve sempre seus ideais republicanos, não apenas nos períodos citados, sendo que na primeira edição do jornal é explícito o apoio ao Regime. Estudos indicam também que além de republicano o jornal tinha fortes ligações com a maçonaria visto que os defensores locais da República eram de lá provindos.

Anteriormente a cidade abrigou jornais com viés monarquista com o Jornal do Povo (1880/89) e O Piracicaba o qual abusava dos ideais do Partido Liberal. E assim a liberdade foi trocada pela imparcialidade.

(Publicado no Jornal de Piracicaba de 08 de fevereiro de 2025 e na Tribuna Piracicabana de 15 de fevereiro de 2025

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Informação por uma “gazzetta”

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

O Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba disponibiliza em seu site mais de 1 mil fotografias com os três primeiros anos do jornal “Gazeta de Piracicaba”, que circulou na cidade de janeiro de 1881 a julho de 1938. Infelizmente, no acervo não constam as edições do primeiro ano. Estão disponíveis páginas de 1882 a 1884. Algumas carcomidas pelo tempo ou pelo manusear. São 141 anos de impressão em papel jornal cujas edições com certeza ficaram algum tempo exposto sobre a radiação solar seja na entrega ou nos pontos de venda de então. Essa precariedade fez com que o acervo físico fosse fechado ao público em geral.

Dediquei muita atenção ao ano de 1932 nas edições da Gazeta. Isso porque pretendo lançar em breve um livro sobre o comportamento da sociedade local naquele ano, em especial durante a Revolução Constitucionalista. O matutino dividia espaço com este “Jornal de Piracicaba” e o “Momento”.

A “Gazeta de Piracicaba”, no período analisado, media 54 cm na vertical por 38 cm na horizontal. As edições de 1932 encontram-se em um volume único, dando noção que sua proporção horizontal pode ter sido refilada para a encadernação. Possuía como redator à época Lauro A. C. de Almeida e como proprietário e gerente Chistovam Donatz. Em nenhuma edição deste período foi possível constatar onde ficava sua sede ou onde era impresso. Não havia expediente publicado. Era um jornal com uma diagramação à frente do seu tempo, com colunas concisas que não confundiam a leitura e tinha uma sequência de matérias bem dispostas. Possuía uma visualização espaçada, naquilo que consideramos no jornalismo como uma diagramação mais limpa. Usava e abusava de titulação trabalhada como caracteres repletos de serifas. Neste período, tinha uma coluna fixa na capa intitulada “Notícias Rápidas”, com drops sobre a Revolução em todo o Estado de São Paulo. Não deu tanto destaque à causa constitucionalista tanto quanto o “Jornal de Piracicaba e “O Momento”. Mantinha, durante este conflito, colunas na capa sobre assuntos hoje banais como a influência galesa e saxã na língua brasileira, entre outros. Circulava de terça-feira a domingo com quatro páginas. Eram publicadas colunas tradicionais como “Cultho Catholico”, “Sociaes” e a programação de cinemas. No período de 22 de setembro a 19 de novembro de 1932 teve seu tamanho reduzido para 38 cm na vertical por 38 cm na horizontal, próximo ao tabloide, motivado possivelmente pela escassez do papel jornal. Mesmo assim, as colunas tradicionais foram mantidas, tal qual os anúncios, e a Revolução Constitucionalista não era tão explorada quanto aos dois outros concorrentes.

“Gazeta de Piracicaba” publicava colunas diárias de Euclydes do Amaral e de Jacob Dihel Neto intitulada “O proposito do Batalhão Piracicabano”.

Carolina Martin, que atualmente reside em Santos, mas por alguns anos catalogou e organizou o acervo de jornais do Instituto Histórico, se empenhou em um estudo de outro período. Foram dias e dias lendo, anotando e avaliando seu conteúdo para um estudo que está compilado num site, com o tema “A Educação na Imprensa Republicana: Gazeta de Piracicaba 1882-1903”. Nove anos de análises meticulosas feita em conjunta com o pesquisador Cesar R. A. Vieira.

A intenção é tornar pública uma sequência de notícias, artigos de opinião e anúncios publicados pela “Gazeta de Piracicaba” envolvendo temas sobre a educação. Aparecem análises sobre os internatos femininos, educação, imigrantes, escravos alforriados e outros. O estudo também aborda escolas históricas da cidade como o Colégio Piracicabano e o Nossa Senhora D’Assunção, e os primeiros Grupos Escolares. A obra é um deleite por conhecermos professores que hoje são nominados com logradouros ou escolas e que desfilam no estudo. O resultado final pode ser conferido no site do IHGP, de forma gratuita, sem ter que pagar nada. Lembrando que jornais foram denominados de “Gazeta” já que gazzetta era um moeda italiana cujo valor equivalia à compra de um jornal.


quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

A história em formato digital

 Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

 

Muito em breve deixaremos de ser acumuladores, um vício cultuado como hábito o qual aprendemos com nossos pais, os quais aprenderam com seus pais e assim por diante. Uma tradição que passa gerações.

Um livro que nos agrada, colocamos na estante para ler um dia. E nunca mais o lemos. Uma música que adoramos retemos como aprisionamos um passarinho numa gaiola, seja essa canção em qualquer formato disponibilizado pelo mercado, como CD, LP, MP3. Um filme que nos fez chorar ou aflorar qualquer sensibilidade cultuamos e também o colocamos em uma estante, seja em celuloide, VHS, DVD ... Um imenso álbum de fotografias era aberto e colocado entre as pernas, e ao nosso lado a família se juntava para relembrar fatos passados. Hoje a fotografia é individual, pois fica em nosso bolso, no smartphone e quando você inventa de mostra-la para alguém vem aquele exercício de vai e vem para adaptar o foco à nossa cansada visão.

Assim é com a história, perpetuada por livros físicos, fotografias impressas, filmes e outras formas de guardar para o futuro o momento presente ou passado. Está chegando ao fim ter em casa dezenas de livros que nos tornam mais sábios. Revistas ? Nem falo nada. Sejam em quadrinhos, sobre tricô ou receitas, ou informativas, já tiveram seu tempo, levando à bancarrota diversas de suas editoras.

Bom, tudo isso para dizer que estamos no mundo digital a muito tempo. Lembro que entrei na internet em 1996, poucos anos depois dela comercialmente aportar no Brasil. Não tinha o que fazer com ela. As ferramentas foram se formando aos poucos, moldando o formato que conhecemos hoje. Celular não era smart, servia apenas para ligações telefônicas no local em que você estivesse. Bem ... tinha alguns lugares que não funcionava nem com reza braba, isso é verdade.

O Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba tem sua vertente digital sobre a história de Piracicaba. Desde a década de 2000 não mede esforços para propagar fatos que compuseram Piracicaba, na sua ocupação, urbanização, industrialização e tudo mais. É curioso ver fotos do passado e comparar com a atualidade, tirando o pó de nossa “massa cinzenta” resgatando memórias afetivas de locais ou eventos pelos quais passamos. Um homem sem passado, não tem história.

Todo acervo que, além de provocar imensa rinite ou outras irritações alérgicas, embasaram estudos, teses acadêmicas e resgataram o passado. O IHGP tem jornais, livros, filmes, discos em formato físicos. Alguns inacessíveis ao público por conta do desgaste ocasionado pelo tempo, como por exemplo o jornal “Gazeta de Piracicaba” da década de 1880. Impossível abrir tal acervo à sociedade sendo que qualquer folhear irá esfacelar suas páginas.

Dos anos 2000 para cá, e olhe que são 25 anos, vários voluntários se uniram para digitalizar esta história, como o livro de enterramentos do Cemitério da Saudade, que hoje pode ser consultado à distância. Fotografias que definiram a sociedade piracicabana no século passado podem ser vistas e ter download feito pelo Flickr da entidade. E, o melhor, de forma gratuita. São hoje 10.500 registros disponíveis com 3 milhões de visualizações individuais. Nosso Wiki pôde ser consultado com verbetes do “Dicionário de Piracicabanos”, catalogado pelo professor Samiel Pfromm Neto. Quer saber quem foi Fulano de Tal ? Coloca no Wiki do IHGP e você terá sua biografia. O serviço hoje está indisponível. Tal formato vem sendo estudado para 2025 com foco exclusivo para os descendentes de italianos, como forma de celebrar os 150 anos da imigração dos ítalos. Livros, antes restritos ao papel, já podem ser acessados pelo site do IHGP. Não são e-books e sim as versões digitais em PDF do que foi impresso.

Recentemente o IHGP uniu-se a WRPD Informática e criou o Nhô Chat, ferramenta de inteligência artificial que auxilia a inteligência humana. Não é um buscador como foi confundindo por algumas pessoas. Para isso já existe o Google ou o Wikipedia. É uma ferramenta para compor mensagens, buscar informações catalogadas no acervo do IHGP que conta atualmente com cerca de 70 livros publicados. É uma ferramenta que colabora com pesquisas em livros e outros meios. O Nhô Chat é recente. Ainda é um bebê que mama e está formando sua capacidade intelectual. Não é um adulto pós-graduado. Isso forma-se aos poucos, como é a inteligência, seja artificial ou orgânica. Tem chão para engatinhar e futuro para despontar como um bom aluno e, aí sim, virar um mestre.

 

sábado, 11 de janeiro de 2025

Com o fogo fez-se a luz

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Curioso é debruçar-se diante de livros sobre Piracicaba e ver que sua história é repetida por diversos autores. Estes bebem da mesma fonte que ajudaram a propagar a história local. Debruçaram sobre atas da Câmara Municipal, sobre os tradicionais almanaques e principalmente sobre os jornais impressos, entre outros documentos.

Existem outras fontes, distantes, na ocasião, para tais pesquisadores. Leandro Guerrini chega a citar documentos em posse de Portugal sobre a distribuição de sesmarias e povoação daquilo que séculos atrás foi o embrião de Piracicaba. Existem, claro, documentos além destes, alguns acessíveis hoje com facilidade pela rede mundial de comunicação, a internet. Mas a história ainda está restrita ao papel e aos poucos vem sem digitada, digitalizada ou lida pelo sistema OCR dos scaners.

Nada disso tira o mérito do estudo de muita gente que, por exemplo, nos permite falar, pela segunda semana, sobre a iluminação na cidade. Dias atrás, caminhando em frente a Igreja do Frades um caminhão baú passa e leva consigo uma fiação caída do poste. A parte que ele deixou esticou-se e voltou como se fosse uma estilingada. Dos postes vemos um emaranhado de fios soltos que colocam em risco os pedestres, ciclistas, motociclistas e motoristas.

Os postes “raízes” de Piracicaba vieram de doação da capital do Estado. Funcionavam à querosene por cerca de quatro horas. O passado chega a ser curioso e engraçado. Havia uma pessoa (funcionário da Câmara) que com uma vareta colocava fogo e acendia o lampião. Assim, como em terras britânicas, durante a Revolução Industrial, havia o profissional que passava de casa em casa jogando pedregulhos nas vidraças para acordar os trabalhadores para mais um dia de labuta. Isso antes do despertador existir. Bom, claro que já havia galo. Mas aí a história é outra. São profissões que caíram em desuso e se extinguiram. É o caso do “guarda livro”, antiga denominação dos contadores e contabilistas que anotavam o movimento financeiro das empresas em grandes livros, tudo escrito à mão.

Dona Mariinha, Maria Celestina Teixeira Mendes Torres, filha de Otávio Teixeira Mendes, descreve Piracicaba no século 18 com sendo uma cidade sem tecnologia, desenvolvimento e infraestrutura, sendo que “só tomará alento na década dos anos 70”. Dona Mariinha fala que o surgimento da energia e, por conseguinte, a luz, Piracicaba passa a vislumbrar seu futuro. Vendas e tavernas, até 1873, tinham iluminação noturna precária: lanterna presa a um gancho na parede – a querosene ou qualquer outro combustível comum na época. De lampiões ao poste foi um tremendo pulo tecnológico. As pessoas podiam sair à noite ! Podia-se enxergar no escuro. De forma precária, claro.

Depois fomos do lampião para a luz elétrica em poste, Piracicaba passa a ver uma realidade de outro mundo. A iniciativa foi de Luiz de Queiroz, muito tempo antes da doação de sua fazenda para que nela fosse instalada a Escola Agrícola Prática. A inauguração da luz elétrica se deu em 6 de setembro de 1893. Tornou-se fato após assinatura de contrato entre sua empresa e a edilidade. Nos primeiros dias pouco mais de metade das 235 lâmpadas prometidas acabaram acesas. A Gazeta de Piracicaba de 7 de setembro daquele ano garantia que não havia oscilação nas lâmpadas de 32 watts devido a um grande motor hidráulico bancado por Queiróz.

A luz elétrica era novidade. Saímos da iluminação feita pelo fogo e chegamos ao filamento que brilhava com uma bruta incandescência. Era comum sair de casa e ficar vislumbrando os postes. Não falei que ao ver o passado podemos deparar com situações curiosas e engraçadas ? Tamanha era a novidade que bandas (duas) tocaram à frente do Hotel Central, na praça José Bonifácio, onde Queiroz se hospedava. A população saiu às ruas para enaltecer a ação do homem visionário. Meses depois, em 6 de janeiro de 1894, Luiz de Queiroz pede para que a Câmara de Vereadores seja fiadora de um empréstimo altíssimo para que pudesse completar a instalação de sua empresa de iluminação. Tal pedido seria feito junto ao Banco da República do Brasil. Ilustre inovador já estava em delicada crise financeira. De lá para cá, a chama da luz nunca se apagou.

(Publicado na Tribuna Piracicabana edição de 11 de janeiro de 2025)

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Piracicaba pós 1932

Edson Rontani Júnior, jornalista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba 

Em 2 de outubro de 1932 cessa o conflito civil armado conhecido por Revolução Constitucionalista. A rotina deveria voltar a Piracicaba. Alguns fatos que ocorreram após o armistício ficaram marcados em nossa história.

Rua João Pessoa - Rua do Commércio e Rua Governador Pedro de Toledo. A principal rua do comércio de Piracicaba resiste há muitos anos, tendo sido palco de carnavais, de apresentações da Banda do Bule, de desfiles cívicos como o de 7 de setembro, entre outras atividades. Entre a primeira e segunda denominação foi chamada de Rua João Pessoa, na década de 30.

Porém, os registros históricos são poucos os quais não nos dão certeza de quando houve o início e fim desta denominação. Registros legais podem não existir, visto que a Câmara de Vereadores teve seus trabalhos suspensos por Getúlio Vargas.

É comum em ver nos jornais da época, anúncios de lojas como a antiga Portalarga usando a Rua João Pessoa como referência. Ou a Fábrica de Balas Atlante anunciando que estaria em novo endereço, na Rua João Pessoa no antigo cinema (prédio ocupado nos anos 1980 pelo Zilliat Shopping e atualmente ocupado pela rede de supermercados Jaú Serve).

A mudança para Governador Pedro de Toledo ocorre ainda na primeira metade dos anos 1930, após a Revolução Constitucionalista, em homenagem ao interventor do estado de São Paulo. João Pessoa foi alvo de uma comoção nacional ao ser assassinado em 1930 quando ainda ocupava o cargo de governador (presidente, termo usado na época) da Paraíba. Foi candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, perdendo para Júlio Prestes, que não foi empossado devido à eclosão da Revolução de 1930.

Associação Comercial - O comércio em Piracicaba sempre foi forte. Tanto que uma de seus logradouros principais era denominado de Rua do Commercio até aos anos 1930. Esta rua começa nas proximidades da Estação da Paulista e finda na Curva do S, sobre o Córrego do Itapeva, ao menos no sentido do trânsito. É curiosa a ligação da Rua do Commercio com a sua denominação atual, ou seja, Rua Governador Pedro de Toledo, interventor federal que governou o estado de São Paulo, sendo ele o comandante civil da Revolução de 1932, renunciando ao cargo de interventor e aclamado pela população como o Governador de direito do estado.

Este enunciado demonstra o fervor do comércio local e sua participação para o desenvolvimento do município. Não é à toa, que no memorável 9 de julho de 1933, um ano após o início da Epopeia Paulista, é fundada a Associação Comercial de Piracicaba, hoje Associação Comercial e Industrial de Piracicaba (ACIPI).

Bom Jesus - A Revolução Constitucionalista de 1932 atrasou uma das obras religiosas mais conhecidas da cidade: a Igreja Senhor Bom Jesus do Monte, ou simplesmente Bom Jesus. Sua história foi iniciada em 8 de outubro de 1857, quando foi doado terreno por João Antonio de Siqueira. A Igreja situa-se na rua Bom Jesus esquina com a rua Moraes Barros.

Napoleão Belluco iniciou a construção em janeiro de 1927, com pintura do forro pelo artista Mario Thomazzi. Assim, agenda-se a inauguração oficial da Igreja para a primeira quinzena de agosto de 1932, adiadas para novembro devido à Revolução Constitucionalista. Em 13 de novembro de 1932, domingo, deu-se a tão esperada inauguração.